quinta-feira, dezembro 10, 2009

Substâncias psíquicas (1)


Sendo eu mesmo um indivíduo cá com minhas esquisitices e ainda com tantos anos trabalhando em atendimento, observando profundamente diversas pessoas, me deixaram em posição de começar a catalogá-las. Não é exatamente o mesmo que rotular indivíduos, entendam isso de agora; antes, é mister observar que as ações dos indivíduos, longe de serem identicas, podem ter fundamentos e/ou consequências que, uma vez agrupadas às centenas ou milhares de repetições, se assemelhem. Praticamente, rotular e catalogar são o mesmo tipo de tolice, mas o importante é que aqui eu quero parecer bacana, e não um tolo. Então aceitem que eu sou bacana e estamos prontos para progredir neste estudo.
Após alguns meses lidando de maneira desorganizada com os clientes selvagens da Copiadora Power Image, tentando sem sucesso criar categorias como "cliente das 19:01", "corno por contágio" ou "sem mãe", fui apresentado a um jargão da empresa, e este fez toda a diferença. Era o gosmo, capaz de se tornar verbo, gosmar.


Quando o trabalho, ao dar entrada, levava 15 minutos apenas para ser explicado, dizíamos "isso é um gosmo". Quando o cliente, ao explicar o trabalho, precisava contar as difíceis relações entre 4 ou 5 parentes dele e este trabalho, dizíamos "o cliente está gosmando".
Pode-se notar que o gosmo veio atender a uma grande gama de sentimentos. Apesar de que algumas vezes o gosmo sozinho não era capaz de atender a nossa necessidade de definições: se um cliente passava pela grade já fechada, olhava para a loja toda apagada, com máquinas desligadas e vociferava, clamando ser atendido, era-nos forçoso admitir que este era um autêntico "cliente das 19:01 corno por contágio sem mãe", e o termo gosmo se mostrava demasiado suave para definí-lo.
Fez-se portanto necessárias novas definições, ainda que descendentes do conceito de gosmo. Aqui tentarei apresentar uma resumida definição dos tipos já catalogados, muito embora possam haver muitos outros, e nem todos com sintomas negativos na personalidade humana.

Mocreatina – Substância produzida quando o indivíduo se percebe em uma "zona de conforto" dentro de sua vida produtiva. Percebe-se no comportamento do indivíduo uma aversão a qualquer convenção social, como bons modos, iniciativa, educação, capacidade de perceber detalhes (tais como ler um manual). Possíveis sintomas:
  • Se irrita com facilidade quando é exposta sua incapacidade de interpretar informações, mas o máximo que consegue manifestar é elevação da voz. Normalmente, resmunga.
  • É portador de paranóia passiva, acreditando que todas as pessoas do mundo estão de sacanagem com ele. Mas não necessariamente querendo destruí-lo.
  • Olha sempre obliquamente para as pessoas, muitas vezes sendo incapaz de encarar o interlocutor. Por puro despeito.
Pode ser encontrado na cultura multimídia representado pelo morto-vivo.



Bruacalase – O meteorito ALH 84001 trouxe eidências à ciência de nanobactérias, por indícios de aminoácidos e hidrocarbonos policíclicos aromáticos, a mesma categoria de substância que encontramos na bruacalase. Suspeita-se há anos que a bruacalase é uma contaminação tóxica oriunda do espaço sideral.
O indivíduo produz bruacalase pela saliva, e a infecção de outros indivíduos é causada por mordida. Geralmente no pescoço da vítima. Para tornar apto a espalhar a doença o indivíduo inoculado é estimulado a sentimentos de ciúme, despeito, desdém. É notável a capacidade verbal do embruacado para manifestar esses sentimentos, podendo falar por horas sobre a vida pessoal da(s) vítima(s), seja em tom de palestra ou de cochicho, até aparecerem características manchas de espuma branca nos cantos da boca. Olhos vidrados, fixando sua vítima, também são uma característica de ataque em andamento.
Grandes atores são capazes de demonstrar fugazmente estes detalhes, para facilmente serem aceitos pelo público como dedicados à arte.
A verborragia do embruacado pode ser demonstrada em diversos setores da sociedade humana, sendo um caso dos mais clássicos e abrangentes o de André Vianco. Um dia, ele percebeu que conseguia encher arquivos de Word com 200 páginas de texto. Enfim.
Escrotonina – Uma das mais controversas substâncias psicológicas, a escrotonina costuma ser associada a produção de testosterona. Pode-se observar o indivíduo produtor desta substância como um sujeito agressivo, grosseiro, preconceituoso. Comunica suas intenções olhando fixamente os olhos de seus interlocutores e sofre de surdez seletiva. Mas também é capaz de ser apontado como "macho alfa" em alguns círculos, o que geralmente é considerado um elogio profissional e sexual.
Para se observar a ambivalência da escrotonina, podemos analisar o arquétipo clássico do Ricardão. Enquanto é odiado por vários, que tem que dar licença aos seus pisões, aturar sua voz grossa berrando "mengo", seu carro ocupando duas vagas e um machismo à toda prova, certamente ele é mais admirado entre certos grupos de moças já comprometidas.
Pode-se até mesmo apreciar a companhia de um escroto, por tempo limitado e situações controladas (a cerveja e som alto). Se você quiser dormir com ele, claro.

Ainda estamos bem longe de estabelecer uma tabela completa dessas substâncias, mas este é um primeiro rascunho apenas para definir o campo até agora estudado pelo atendente que vos escreve.

quarta-feira, dezembro 09, 2009

Mocreatina

Eu estava fazendo minha atividade predileta como atendente de loja de informática, ou seja, andando na rua em missão de compras. Cheguei na papelaria, com a tampa de papelão da caixa de grampos, e pedi:
– Uma caixa de grampos 26/6, por favor?
Ao que o vendedor, sofredor como eu, responde:
– a de mil ou cinco mil?
– Cinco mil, respondo, consultando a tampa da caixa na minha mão. Longe do balcão por causa justa, sorridente e feliz.
Ele não diz nada, mas eu conheço certos indícios do ramo. Olho pra tampinha da caixa de papelão e provoco:
– Cara, também sou vendedor, detesto chegar nas lojas falando 'me vê aquela... ahhhh... uhhh... coisa... desse tamanho...' - já venho com a idéia certa na mão!
O rapaz ri da minha imitação de zumbi menudo, às gargalhadas. Saio da loja, clipes pagos, e um alívio de algum tempo no coração: não sou o único a querer viver na Lua.
É desse ponto de vista que percebo a realidade dos filmes de zumbi. O pânico desses filmes, onde sempre alguém ou um grupo de 'sadios' foge de semelhantes antropófagos movidos por forças misteriosas do além-vida, é que na verdade os zumbis existem. Isso mesmo, existem, agem daquele jeito, e se você der mole realmente comem seu cérebro. Sim, porque o que quer que seja causador da zumbificação, sem nenhuma dúvida ataca o cérebro profundamente. Eu considero uma toxina moral, e a batizei de "mocreatina".
Não, não ria ainda. A mocreatina começa a ser produzida pela psiquê do indivíduo, na mesma época da vida em que ele atinge um patamar, determinado por mim de "fase do foda-se", por alguns pesquisadores mais sérios de "zona de conforto". É uma capa de gordura que deveria recobrir o cérebro, mas na verdade atinge mesmo a capacidade de raciocínio, em inglês "wits", na gíria "o estar ligado", tá ligado?
A pessoa percebe que não precisa mais ser o esperto da turma, sua sobrevivência está assegurada por vitórias passadas. Nesse momento, semelhante ao processo da lagarta, a capacidade cerebral da pessoa entra em encapsulamento. Uma manifestação física desse fenômeno é que toda aquela energia antes transmitida para as células-glia do cérebro passam a virar reserva para o futuro. Células-glia são aquelas moradoras do cérebro que alimentam os primos já famosos, os neurônios, com energia para aquelas brilhantes idéias que todos nós temos. Quando eu falo "reserva para o futuro", eu estou me referindo ao nosso já conhecido bacon, toicinho, ou se preferir pança.
Um sintoma evidente de que o indivíduo está produzindo mocreatina é aquela barriguinha bacana crescendo, para ser chamada pelos amigos de calo sexual, pânceps e reservatório de chopp. Pode ser facilmente encontrada em funcionários públicos, em geral começando a ser notada aos cinco anos de funcionalismo, que é quando a digníssima bunda não pode mais ver pé pela frente. Também é notada em policiais militares com "rota de coleta de proteção" definida, e definitivamente na maioria dos síndicos re-eleitos.
É uma característica com faixa etária mais ou menos definida, dependendo de uma mistura de fatores internos e externos para ocorrer. Curiosamente, acabam setorizando os indivíduos, que passam a menosprezar contato com outros estados manifestos, por exemplo as mulheres que já aplicaram botox e crianças na troca de dentição.
Em artigo futuro exploraremos também a bruacalase, outra substância psíquica descoberta por este seu pesquisador amador. A mocreatina e a bruacalase têm sintomas muito parecidos, mas para o observador treinado é possível distinguir detalhes que permitem a distinção e o tratamento adequados.

Um portador de mocreatina, para fins de ilustração, pode travar este diálogo numa loja de informática:

Portador – Isso aqui é mouse pad [apontando para um produto com os dizeres "BASE PARA MOUSE ÓTICO"]
Vendedor – Sim senhor, esses dois são. Esse custa R$ 10,00 e aquele R$ 5,00.
P – E qual a diferença?
V – Um é feito de E.V.A, e o outro...
P[interrompendo] – Que eu tenho mouse sem fio, ele tem uma luzinha embaixo, não sei se ele é ótico. Pode ser de bolinha, né?
V – Se ele tem luz embaixo deve ser ótico, senhor.
P – Mas ele é sem fio... Não sei se essa base vai funcionar pra ele não.

Em breve voltamos com mais um pouco de exploração do mundo das toxinas psíquicas.

sexta-feira, outubro 16, 2009


De Trânsito Rio de Janeiro
O que você vê nesta foto é um carro parado sobre a calçada em Ipanema. Vamos esquecer a van logo atrás, certo? Essa é a esquina da Aníbal com a Redentor, e estamos falando de um dia de semana, supostamente mais vigiado que outros horários. Existe um restaurante chique logo em frente ao carro. Sendo justo, nessa altura da Rua Redentor tem também umas escolas para crianças, se não me engano algumas creches também.
Eu não entendo muito de automóveis, mas posso imaginar que um carro desses esteja valendo entre 40 e 60 mil reais. Aguardo correções dos entendidos no assunto.
Art 181, parágrafo VIII - no passeio ou sobre faixa destinada a pedestre, sobre ciclovia ou ciclofaixa, bem como nas ilhas, refúgios, ao lado ou sobre canteiros centrais, divisores de pista de rolamento, marcas de canalização, gramados ou jardim público:

Infração - grave;
Penalidade - multa;
Medida administrativa - remoção do veículo;

Fiz a continha aqui, e considerando o texto acima, em 2009 o dono ou dona desse veículo pagaria R$ 232,46. Também levaria 5 pontinhos na carteira. E poderia ter seu veículo removido. Se alguém se importasse com essas bobagens.

De Trânsito Rio de Janeiro
Outro exemplo, carros (plural) parados sobre a faixa. Mesma ladainha, não quero cansar você. Infração de igual teor, e igual importância.
Eu sou péssimo para comparar a gente com Estados Unidos, mas vamos combinar que não dá pra entender que essas mesmas multas lá são de valores menores dos que aqui temos. Como é que lá funciona e aqui não? Será que o policial lá ganha mais que os nossos? Não, desculpe, a vida deles é bem simples normalmente na maioria dos casos.
Sabe o que é? A fé.
Horrível isso, acreditar que o sistema é a salvação, eu sou anarquista e me arrepio todo de falar isso. Mas tenho que baixar a cabeça. O policial acredita na importância do seu trabalho, por mais simples que pode parecer, e geralmente não aceita fazer vista grossa. Assim como o chefe dele.
Mas tem mais. O motorista acredita no seu papel como cumpridor das leis, porque isso dá crédito a ele em juízo, por exemplo. A ficha dele é analisada na hora de oferecer crédito no banco, para citar uma consequencia.
Entenda: o cidadão honesto e correto é premiado. Eu sei que estamos falando de maioria dos casos, eu sei que estamos falando de um mundo que tem tons de cinza.
Mas sobretaxar o cidadão correto não ajuda. Sério. Outra coisa que não ajuda, é esperar dos outros o que você nem sempre faz. ai ai ai.

quarta-feira, setembro 23, 2009

respostas cretinas para perguntas imbecis - informática

Provavelmente eu vou fazer uma série de posts que nem esse.
Cada vez que você encontra uma resposta à prova de imbecis, surgem modelos mais eficientes de imbecis.
Vocês vendem cartucho?
  • Não, senhor. Essas caixas brancas aqui são esquifes para pequenos roedores.
  • Sim. Mas só temos a de 300 para escopeta cano duplo.
  • Não. Os monges cartuxos são de uma ordem extinta no século XIII pelo Concílio de Nantes. Estamos sem estoque há 700 anos.
  • Sim, mas só temos o sabor atum.
Tem cartucho preto e branco, ou só o colorido?
  • Só temos cartuchos NTSC.
  • Sim, temos o Preto, o Branco e o cartucho Glitter também
  • O Preto temos original, mas o Branco só da LiquiPaper.
  • Infelizmente só trabalhamos com cartuchos Technicolor.
Você tem aquela peça de colocar atrás do micro?
  • Não, mas a sex shop fica no subsolo.
  • Nossa última leva de massa corrida saiu ontem.
  • Eu parei de fazer teatro há dez anos, senhora.
  • Qual delas? Vida inteligente ou tomada? 

quinta-feira, setembro 17, 2009

Aí, xará!

Você leu Watchmen? E depois, foi ver o filme?
Acho que todo nerd por aí sabe que Alan Moore tem nas costas uma triste maldição: nenhum de seus roteiros de quadrinhos, todos maravilhosos, viram um filme minimamente passável. Se você gostou de "A Liga Extraordinária", com a vampira-biscate e um Alan Quartermain que NÃO é viciado em ópio... Desculpe, volte a ler sua Turma da Mônica.
Mas deste ângulo de análise, eu consigo dizer que Watchmen é uma adaptação fiel. É só você engolir que o Comediante é aquela paquita bombada e o resto flui muito fácil. Acho que com esse comentário você já entendeu meu carinho por esse senhor Jeffrey Dean Morgan. Pois é.
Pois fique sabendo que anda um projeto aí para filmarem LOBO, com censura TREZE ANOS, e esse retardado se acha na qualidade de interpretar o Sr. Infodível em pessoa! Bom, na medida em que qualquer um pode se maquiar com a cara branca e colocar a língua pra fora... pode. Vamos ver, né.
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Eu pensei que era sacanagem. Ainda dou risadas sozinho na fila do banco lembrando do trailer de Campo Minado, o Filme. Mas é pra valer. A Hasbro e a Universal têm um contrato que já nos rendeu Transformers e G.I. Joe, e agora lançam uma emocionante e tensa história de uma batalha envolvendo cinco navios... chamada Batalha Naval. Se eu dou uma idéia dessas na mesa do botequim, nego me sacaneia dizendo que viajo muito. Agora eu tenho certeza, o problema nunca foi comigo, mas com quem eu falo. Afinal, não sou eu que estou de sacanagem, é o mundo.
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Eu ainda estou atrás de uma cópia de "Moon", o filme dirigido pelo filho do David Bowie.

terça-feira, setembro 15, 2009

Perenidade

"Detesto computadores".
Quis ouvir isso muitas vezes, pois nada pior que um idiota motivado na frente do teclado. Ouvi poucas.
Por muito tempo, esses poucos eu ainda não entendia, poxa, como se pode odiar a revolução do século 21? Tudo aquilo para que nos preparamos durante 3 décadas! Imagino que os reformistas também não entendiam os monarquistas, 3 séculos atrás lá na França.
Mas eu agora encontrei uma boa razão para odiar computadores. A palavra "perenidade".
Você deve ter tido boas chances de ver fotos do seu avô criança, né? Aquelas preto e branco, todo mundo com roupas engraçadas... E você acha que seu filho vai conseguir ver suas fotos? Não. Ele vai ter mais chance com as fotos do bisavô que o papai aí.
A base daquelas fotografias era papel espesso, com fibra de algodão, em nitrato de prata. Como pode-se comprovar, dura muito. As suas, isso quando você as revela, são substrato de celulose, polímero plástico e tintas de origem vegetal. A durabilidade é de cento e tantos anos contra cinco. Eu disse, cinco anos.
Vá lá, alguém pode dizer, no longo prazo não se conta nem uma nem outra, até a foto com nitrato não deve resistir mais que 300 ou 400 anos. Nada que se compare a uma pirâmide. Ou à Torre Eiffell.
As mídias de hoje são temporárias. Os discos, seja CD, DVD, ou o novo Blu Ray, não resistem sequer a vinte anos de manuseio. Uma certa diferença se compararmos com os vinis, ou os 8mm. Estamos trocando durabilidade por visual.
Dentro de duas gerações, todo o nosso tempo presente, por mais chato que seja, terá se evaporado. Já é um pouco difícil rastrear a década de 80, não que tenham tantas coisas lá que nós precisemos, mas pense nisso. Imagine como vai ser explicar uma música do Faith no More.

sexta-feira, setembro 11, 2009

A nave - final da queda.

Dali, aquele momento enorme em que eu me abraçava ao poste, e o próprio poste subia com um pedaço do chão, tudo ficou indefinido. Senti uma pancada de lado, senti pela primeira vez na vida o que era uma fratura, ou várias, porque foi o esmagamento das minhas costelas, com um pedaço de entulho que me acertou. Ainda assim, já sentindo a palidez e o suor frio, podia me mexer como se tivesse tomado uma bolada no futebol. O choque é que me ameaçava.
– Não pira, não pira, não pira... eu me repetia, sei lá se era em voz alta, baixa ou pensamento. Tinha que continuar procurando um jeito de sair dali.
Fui andando pelo que era a Avenida Rio Branco, o meio mesmo da pista. Um monturo grande se via uns cinquenta metros adiante, ali onde se cruzava com a Presidente Antônio Carlos. O estrondo de mundo acabando me rodeava, como se rugisse para mim, de todas as direções uma nota nova, sempre grave, de concreto se esfacelando, chão tremendo...
Entendi de repente que o chão deve ter se levantado comigo por causa do metrô, ali embaixo. Entendi isso enquanto olhava em volta e percebia que, na verdade, a Avenida tinha descido uns cinco metros! A única maneira de sair rapidamente daquele caos era me localizando em cima daquele monte ali na frente, e corri pra lá.
Subi ali, segurando meu lado esquerdo, arfando, sentindo uma baba de gosto familiar na boca, tossindo, e começando a sentir a cabeça girar. Estava começando a assimilar a quantidade de dano que meu corpo recebera, e conforme ia acontecendo, o controle do corpo ia ficando uma idéia distante. Tudo amolecendo. Mas consegui chegar lá em cima.
Cheguei a girar a cabeça e ver, o antes imponente prédio da Caixa Econômica tinha vários andares sem janela, o Edifício Avenida Central estava parecendo errado, e tudo o mais... foi ficando azul. Caí sem perceber muito bem onde. Tinha um buraco em cima daquele monte. A luz do céu, nublada pela poeira, virou um buraco lá em cima; e esse buraco foi fechando.
Eu caí dentro da nave! Aquilo era uma nave! Socorro...
E não me lembro mais de muita coisa.

segunda-feira, setembro 07, 2009

Se, de Rudyard Kipling

Se você pode manter a calma quando todos sobre você
Já a perderam e o culpam por isso;
Se você pode confiar em si mesmo quando todos estão duvidando,
Mas reluta em também duvidar deles;
Se você pode esperar e não se cansar esperando,
Ou, sendo mentido, não devolva em mentiras,
Ou, sendo odiado, não se dê chance de odiar,
E ainda não parecer bom demais, nem falar muito sabiamente;

Se você pode sonhar - e não fazer dos sonhos seus mestres;
Se você pode pensar - e não fazer dos pensamentos seu objetivo;
Se você pode se encontrar com o triunfo e o desastre
E tratar a estes dois impostores da mesma forma;
Se você pode agüentar ouvir as verdades que você falou
Transformadas em facas afiadas numa armadilha para bobos,
Ou assistir as coisas para as quais você deu a vida se quebrarem,
E se inclina e reconstrói do nada com ferramentas fora de uso;

Se você pode juntar tudo que ganhou
E arriscar tudo em um lance,
E perde, e começa novamente do início
E nunca suspirar uma palavra sobre sua perda;
Se você pode forçar seu coração e nervos e tendões
A lhe servirem no seu minuto decisivo, mesmo esgotados,
E assim agüentar quando não houver nada em você
Exceto a Vontade que diz a eles "Agüentem";

Se você pode falar com multidões e manter sua virtude,
Ou caminhar com reis - e entre a plebe não te corromperes;
Se nem inimigos nem os amigos amorosos podem te ferir;
Se todos os homens contam com você, mas nenhum muito;
Se você pode encher o minuto irreconciliável
Com sessenta segundos corridos de valor -
Sua é a Terra e tudo o que há nela,
E - o que é mais - és um Homem, meu filho!

segunda-feira, agosto 24, 2009

Caolho!

Quinze dias de viagem até esse país. Oh céus, meu marido tentou de tudo para tornar a viagem o mais agradável possível. Mas como poderia, sendo a nossa relação do jeito que é?
Ele é um marinheiro competente, consegue emprego sempre. Ainda que o dono do navio seja um sujeito extremamente estranho. E ainda por cima o navio tinha que voar?
O patrão tem toda uma frota de navios voadores, e agora está precisando de tripulação experiente, veio buscar no porto do meu marido um grupo inteiro de marujos para trabalhar com ele.
E meu marido, aquele cabeçudo, ainda cismou com todo aquele espinafre enlatado na despensa. Como que eu posso tratar ele direito se ele resolve que um terço do espaço da despensa tem que ser de espinafre enlatado?
Se ao menos eu pudesse ter um tempo a sós com meu amigo... Ele me entende.
Aquela barba espetada, aquele peitoral aberto, aquilo sim que é homem! Mas o que tem de gostoso tem de vagabundo. Se eu pudesse me deitar naquele tórax, tão peludo que parece um carpete, e esquecer minha vidinha um pouco... Mas ele não está aqui. Nem o Dudu, que mais uma vez ficou com a Alice enquanto corro mundo atrás das aventuras do meu marido.
Pelo menos ele está progredindo. Imagine, imediato em país estrangeiro! E ele está lotado logo na nau do Almirante, isso não é para qualquer um não! Vou comprar mobília nova quando a gente voltar.


continua (um dia)

terça-feira, agosto 11, 2009

e mais cacarecos aparecem!


Achei um site meu, perdido, no Multiply! http://prellwitz.multiply.com
Achei um site que cria uma logo com o que voce escrever em http://funnylogo.info/extrathemes.asp
Um blog em que o cara inventa muita loucura, http://www.putsgrilo.com/
Maneiro, ne?

ih já ia esquecendo!

Queria comentar que encontrei uma ferramenta chamada Ponteiro (http://www.ponteiro.com.br/index.php). Experimenta digitar uma data qualquer lá e vê o que acontece!
Claro que o mané aqui pesquisou dia e mês de aniversário. Deu que nasceu uma atriz holandesa nessa data, tremenda gatinha! O nome dela é Nadja Hüpscher http://www.nadjahupscher.nl/index.php
Esse site vai ajudar um bocado no que tenho em mente... hehehehe
---...---
ia esquecendo de dizer que adoro agora a musiquinha Good Morning.
http://letras.terra.com.br/gene-kelly/1073863/ Ela é do filme Singing in the Rain, que comprei recentemente na Americanas por 13 contos. Merreca!
Queria cantar pra amada aquela musica... http://www.stlyrics.com/songs/d/dirtydancing6465/ivehadthetimeofmylife246347.html mas o tempo da minha vida infelizmente já passou.
Quem dos 54357357 leitores deste blog não estiver gostando da minha corrente dadaísta esquizofrênica va chupar um pirulito motorizado da Hello Kitty / Bob Sponja. Tá à venda na Americanas e serve de vibrador feminino também. É, to meio dodói mesmo. vai te catar. Beijomeliga.

pensamentos erraticos

To passando a terceira semana sem dormir direito. Ou fico todo torto, ou morrendo de sono, na maior parte das vezes ambos.
Não paro de pensar nela, meu Deus, que falta ela faz, mas precisava ficar assim, de longe. Melhor sentir saudades que arrependimento, saí de perto para machucar menos e tenho certeza que consegui. Torço todo dia pra ficar sabendo que ela está bem, que ela se soltou no mundo, que ela começou a correr atrás dos sonhos que ela merece ter e eu impediria cada vez mais. Quanto mais falta sinto dela, mais certo da minha decisão eu fico. E o sentimento vai se tornando uma dor com fome, com ausência, tesão reprimido, saudade, carência de xamego, todas aquelas coisas que ela completava ao mesmo tempo.
Mas eu tenho que perseverar.
Andei o dia todo arregalando os olhos na rua, porque tenho umas pálpebras pesadérrimas e quero ver se fico com uma cara menos velha. Isso ajuda também a mudar o humor, dá pra acreditar?
Terminei de ler o 54, do Wu Ming, adorei o carinho com que o livro foi feito, e tô de coração partido por causa do McGuffin... ai que vontade de chorar quando penso nele e na sua companheira. (Sinal do tamanho da minha carência, com certeza)
Revoltado pra cacete com toda a pornografia explícita do Senado (e anexos), mais ainda que aqui no Rio (ao menos na Zona Sul) você não pode, repito, não pode querer debater política. Só me dei conta do porque outro dia, vendo o sobrenome de quem dava um cheque aqui na loja. Quase todo mundo que eu vi desde então, tem rabo preso. Toda a Zona Sul, a mesma que vive aparecendo nas fotos do Globo cometendo infração de trânsito, comprando droga, bancando o arrogante com os outros na rua a torto e a direito, toda essa maldita zona sul, é aparentada ou pendurada num esquema besta desses. Navego na merda mais do que imaginava.
Tenho uma estrutura em volta de mim que é tudo que eu precisava: amigos quase parentes, que gostam de mim o bastante para me proteger, orientar, aconselhar. E até um filho postiço eu tenho, que me adora e a quem adoro também. (Olha aí, pensando no McGuffin de novo).
Fico pensando nesse Facebook, melhor que Orkut, msn e sem dúvida nenhuma melhor que o Twitter. Até aí novidade nenhuma, papel e caneta é um bazilhão de vezes melhor que o Twitter e não fica aquela baleia idiota aparecendo.
Tô torcendo pra acabar a carência do plano dental que assinei, idéia da minha amada e saudosa. Fiz porque ela queria muito que eu fizesse, mas quando resolvi fazer passou a ser minha vontade tb.
Tenho que começar a fazer exercícios. A barriga incomoda, e ando ofegante. Mais por ansiedade que outra coisa, mas tenho certeza que menos quilos ia bem.

terça-feira, agosto 04, 2009

Procurando fôrmas para príncipe

Dentro de um atendente, também pulsa um cérebro de cientista louco. Este cérebro já está com várias trilhas para percorrer, mas nunca falta espaço para mais uma. Ainda mais quando uma das minhas linhas de raciocínio é justamente sintetizar a mulher, e a outra que me aparece é... sintetizar um homem!
Vamos ser claros aqui. A semântica pode nos pregar peças.
A mulher que eu estou sintetizando reúne apenas alguns atributos físicos e algumas expressões corporais, tudo muito específico e entremeado de minhas próprias concepções do tema. É um projeto de fundamentação formada.
Mas a idéia de sintetizar o homem me pareceu abrangente demais. Ainda por que quem precisa decidir o que é importante num homem são as mulheres, definidas por elas mesmas como as rainhas da Decisão Definitiva (ô...).
Então, sem enrolações, preciso de apoio nessa pesquisa, e formulo aqui uma pergunta de duas etapas:
  1. Qual o seu homem ideal?
  2. PARA QUÊ você precisa dele?
É pra responder, tá?

domingo, agosto 02, 2009

Para novos problemas, novas alianças...

Ainda no esforço de nos livrarmos da maldita flag de "Site perigoso", gentilmente concedida pelo Google, fizemos cadastro em algumas ferramentas que analisam sites na nossa situação.
É muito, mas muito ruim ficar impedido de oferecer nosso conteúdo na web, mas é compreensível que o Google esteja assumindo mais uma vez sua roupagem super-heróica para derrubar novas categorias de ameaças que a globalização traz nesse passo da história da humanidade. Um antivírus é tão eficaz nesse tipo de situação quanto um estilingue é capaz de parar um trem.
Então, estamos aqui tentando com nossos novos parceiros, e aqui os listo, até para não me perder.
http://www.siteadvisor.com/
https://safeweb.norton.com/
http://www.unmaskparasites.com/
http://badwarebusters.org/
http://www.compete.com/

E a vida continua...

Uma semana resolvendo malware no Direnna.com, e ainda não temos uma posição correta sobre quando o problema vai ser resolvido. Uma semana olhando de cima a baixo, confirmando que a vida de webmaster é uma eterna descoberta.

sexta-feira, julho 10, 2009

It's me

Acordei quando ela fechou a porta do quarto. Usava um daqueles vestidos de baile de sempre, parece que a vida dela é uma contínua festa de quinze anos. Levantei, coloquei a camisa e meu macacão de sempre, e o boné. Passei rapidamente no banheiro da suíte, escovei os dentes rapidamente, a barba poderia esperar. O bigode estava ótimo em duas passadas de mão.
O rosto eu já nem olho mais. Travado naquela expressão de animado, os cirurgiões nunca se esforçaram para me dar controle das expressões de novo. Mal consigo piscar direito.
Mal saí do quarto, e esbarrei com aquele assistente nanico dela. O pior chapéu do mundo, e ele anda todo empertigado como se fosse alguém. Graças ao meu probleminha, ele ainda acha que adoro ver aquela cara lisa todo dia. Esse cara achou engraçado o dia em que elogiei a mãe dele na cama, vai entender. Deve ser gay.
– Tem algo pra mim? Perguntei, no meio do meu esgar sorridente. Claro que eu estava pensando em uma garrafa de rum; as minhas temporadas de boa vida com ela precisavam ser amenizadas também, e o preço para isso é alto.
O desgraçado do baixinho estendeu uma bandeja de metal lustroso, com tampa. Ah, miserável!
– Tenho, respondeu ele, naquela vozinha aguda. E levantou a tampa.
Eu já sabia o que era antes de ver. Cinco cogumelos verdes. Cinco malditos cogumelos verdes! Olhei pela janela, já sabendo o que ia ver.
Uma galera do século XV, com um sistema de hélices no lugar de velas, e sobre o convés a refém mais saltitante do mundo, completamente desimpedida, olhando de volta para mim. Ao seu lado, aquele imbecil de cabelo pintado, olhos grandes, com uma pata imunda calmamente descansando na altura dos quadris dela. Ele estava bem satisfeito e risonho, e ao contrário do que ele fez comigo, as expressões do rosto dele podem mudar.
Ela gritava alguma coisa, mas nem com todo o barulho que aquela impossibilidade aerodinâmica fazia, poderia ser interpretado como um pedido de ajuda. Nem mesmo um babuíno bêbado entenderia aqueles gritos como outra coisa que não uma risada histérica.
Quando a nave manobrava para me deixar com vista para a popa, percebi meu próprio irmão, Luigi, esfregando o convés, perto do leme. Me lançou um olhar de desprezo.
Mamma mia, eles nem estão disfarçando dessa vez!

terça-feira, julho 07, 2009

Dia comum...

Voltei de férias hoje, tô vendo de novo aqueles clientes com impressora HP vindo pra loja...
Entram de boca aberta, braços caídos, olham diretamente para nosso display de cartuchos HP e comentam, desconsolados:
– Ah, vocês não vendem cartuchos não, né?
Nossa resposta é um gesto, eu e o Teo, o cara que trabalha comigo. Olhamos demoradamente para a parede que ele estava olhando até ele recomeçar. É aí que vem a coreografia:
– Eu tenho aquela impressora (braços estendidos, como se mostrasse um tamanho de pizza), aaaaa (braços mostrando uma altura) que tem o vidro em cima (braços mostrando uma distância) e o papel sai por baixo (mãos na frente da barriga em vai e vem, como se limpasse mesa)... Sabe qual é não?
A gente batizou esse tipo de cliente (super comum) de dono de impressora Menudo. Lembra, aquela coreografia dos garotos que faziam "canta, dança, sem paraaaaar..."? Pois é, eles são iguaizinhos.
Caralho, é tão difícil assim saber o seu próprio cartucho? Você mora na mesma casa que a impressora, sua besta? Aí a gente concentra, respira fundo...
– O senhor não saberia o modelo do cartucho?
É o mesmo que perguntar se ele já bateu um tanque de roupa.
– Vocês trabalham com isso e não sabem me ajudar?
Trabalhamos com isso? Amigo, cartomancia é na loja 219. A gente vende pro senhor a peça que o senhor pedir, de informática. Um de nós estende um cartão.
– Se o senhor puder ir pra casa ver qual o cartucho que o senhor precisa...
... e ter uma epifania religiosa no meio do caminho e ir morar no mato ...
– ... a gente pode te dizer a disponibilidade, o valor, e para não dar mais trabalho para o senhor, podemos também fazer a entrega do item.
Sentindo que essa etapa foi descartada, ele olha ao redor pela loja (boca aberta de novo) e lembra:
– Eu tô precisando de um cabo RGB pra áudio...
São esses momentos que me fazem ateu. Por mais sacana que Deus fosse, ele não pode estar rindo disso ainda. Cabo de vídeo, gente, entendam, eles têm nome. HDMI, RCA, VGA (ou DB15), RGB, DVI, Coaxial... E acima de tudo, o cabo de vídeo geralmente continua servindo pra vídeo quando chega do outro lado! Eu sei que sou nerd, faço parte de alguma seita secreta e domino informações muito obscuras, mas cacete! Leia a porra do manual, caralhoo!
Mais algumas frases perdidas e a gente descobre o que que ele queria de verdade: um cabo HDMI -- HDMI pro telão 42 polegadas que acabara de comprar.
– Sessenta reaaaais? Isso tudo?
O cara gasta cinco mil reais (ou mais) numa tela imensa e acha caro sessenta reais de cabo!
Assim correu o dia.
Tenha um bom dia você.

quinta-feira, maio 07, 2009

Sem Titulo ainda

Manso, manso, ele voltava pra loja. Ia naquele passo de que tudo era melhor que atravessar a rua. O sinal da Rio Branco ali na altura do Avenida Central ajudava, dando-lhe tempo para contemplar o derredor.
O meio-dia fazia seu trabalho, a luz do sol no grau máximo, e para dar uma idéia os inúmeros escapamentos conseguiam ser uma brisa mansa na canícula que, para Nelson Rodrigues, derreteria catedrais. Tempos daquele cronista da vida real, aqui e ali naquelas mesmas esquinas andando do e para o trabalho, ele e tantos outros, tomando um cafezinho e coletando silente o material para sua próxima lauda de ganha-pão.
Tempos de bonde aqueles, de ônibus soltando fumaça preta e de atuantes em todos os setores, ostentando suas atividades de peito aberto. Um Brasil para se fazer, parecia essa a diferença entre eles. Época de Nelson ainda se viam os vereadores passando lado a lado na rua. Ainda se valia a pena ter opinião sobre a vida, a política, o futebol.
Fred olhou para cima e mirou bem um anúncio gigantesco de celular. A modelo, com aquela cara de que estava curtindo de montão a vida. Tinha o plano certo e o aparelho certo para falar à vontade. E você que se dane.
Mas falar sobre o que, pensava Fred. Há ainda do que se falar nestes tempos esquisitos? O Brasil se governava sozinho, o que significa que o alto comando - aliás todo o comando - se trancou na cabine com o resto das provisões enquanto nós, a marujada, nos comandávamos uns aos outros sem na verdade comandar nada. Tentando ancorar em porto seguro, sem nem mesmo poder adivinhar que diabos era uma bujarrona, onde estava o tal sotavento e outros quetais para a direção e operação correta.
Se divertindo de leve com a metáfora, Fred pensava no quanto era triste um mundo sem rumo como o nosso. Não que sentisse falta dos generais que assolaram este país, isso ele não queria ver de volta, mas ao menos um líder que, nas piores situações, piscasse um olho para a câmera internacional. Como que dando ao brasileiro a sensação de que, se daquele evento não saísse uma solução, ele faria uma molecagem de gente grande com os mandões ao seu redor. Como tirar de dentro do paletó um bolinho de bacalhau e entregar para a rainha da Noruega, por exemplo.
O sinal fechou, abriu, e Fred constatou que ainda tinha quinze minutos de hora de almoço. Encostou ali no poste do sinal (como quererão os paulistas, o semáforo) e acendeu um cigarro. A vontade de voltar para a copiadora onde trabalhava era minúscula. Ao seu redor, tantas pessoas iam e voltavam, as mulheres com olhar determinado avançavam, nariz erguido, uma determinação no coração que era bonito de se ver. Aliás, as mulheres sempre eram bonitas de se ver, todas tinham para Fred uma beleza puramente sua. Já os homens, esses todos tinham uma cara de quem estava preso, mas logo ali adiante se escapava. Sim, era isso, os homens estavam todos e cada um procurando a saída, como quem terminou de assistir a um filme no cinema, a porta está logo ali, já saio. Os homens estavam apenas resistindo, e as mulheres tinham o mundo inteiro pela frente. E nenhuma delas precisava do Fred para abrir caminho.
Foi nisso que os raciocínios, aparentemente desencontrados, se fundiram. Nos tempos do Nelson, a mulher estava em casa esperando. Agora, os homens mantinham a posição para dar passagem às mulheres, e assim esta nau amotinada estava entrando no terceiro milênio. E as mulheres jamais dariam atenção para a porcaria da bujarrona.
Seu cigarro acabava, sua hora de almoço acabava, os gritos dos camelôs não acabavam nunca. O movimento ao seu redor se espraiava por quilômetros ao seu redor, o formigueiro carioca produzindo de tudo. Hora dele mesmo, Fred, entrar de volta no seu canto de concreto e fazer valer o seu butim.

A copiadora onde trabalhava também tinha um setor de impressões. Fred era, poucos meses atrás, operador de computador ali, e tratava os arquivos dos clientes para impressão. Vinha de tudo parar ali, os alienados, os determinados, os chorões, os mandões, todos tinham um arquivo para imprimir imediatamente ali. Sem perder um minuto sequer.
Tinha se esforçado para mudar de posição, queria fazer atendimento. Era bom em lidar com pessoas, e o atendimento pegava-as ali frescas, começava a entender a situação delas, dava tratos à bola, e passava adiante para a computação. O fascinante para ele era o imprevisível da função. O cliente chegava com todo o espectro humano de emoções naquele balcão. E o atendimento lá, compassivo, sorridente quando adequado, pondo-lhe em outro ritmo mais fácil de se lidar, ajudando com os termos certos e com os prazos necessários para se fazer os trabalhos.
Não que Fred fosse o modelo gentil de atendimento sempre apto a ajudar. Isso, nem sempre ele era, principalmente porque depois de assumir o cargo, foi obrigado a se vestir usando gravata, camisa social, sapatos e o salário aumentou apenas cinco por cento. E deveria estar o dia inteiro de pé. Se já tivesse tido sua tão desejada filha, provisoriamente chamada de Valkíria nos reinos da sua imaginação, poderia comprar quatro pacotes a mais de fralda descartável para ela com esse reajuste.
Chegando na loja, pensou na provável Valkíria. "Nem tão provável assim, na verdade", corrigiu-se. Ainda precisava de uma namorada para fazê-la, no mínimo. Teve a namorada entre os dedos, parecia mesmo ser a lendária mulher ideal, aquela tal que contracenava com tantos mocinhos em tantos filmes. Que fazia "uops" na hora de ser engraçada, entendia as maluquices da vida e tantas outras coisas que fariam sentido apenas na mulher ideal. E era bonita e inteligente, também. Massivamente inteligente. Mas a namorada, depois de bastante impressionada com a prodigalidade com que ele torrava sem reservas seu cartão de crédito, deixou bem claro que não ia ter Valkíria nenhuma em seu futuro com ela. Nem Godofredo, nem mesmo um Rogério ou uma Renata. Ela era determinada a não engravidar, que ainda tinha muito o que fazer nessa vida.
Fred pensava nesses fatos com boa parte do cérebro, enquanto mãos, olhos, boca e pernas eram coordenados por um piloto automático desenvolvido para dias que passavam devagar. Com uma jornada de nove horas em pé praticamente o tempo todo, isso significava qualquer dia. Atendia, dava entrada aos trabalhos, tinha até mesmo uma ou duas piadas automáticas no seu arsenal. E pensava.
Estava agora, portanto, com uma dívida de uns seis meses de trabalho em dois cartões. E gastara esse dinheiro todo em jantares, motéis, agrados. Com ela. A paquerinha que sabia fazer passavelmente bem, mancadas incluídas no pacote. E a moça parecia, nestes últimos tempos, indicar que o melhor dele já passara. Que ele era apenas o suficiente, por enquanto.
- Senhor Fred, atenção ao balcão!
Esses comandos estilo sargento da tropa eram do gerente, Eduardo, uma mistura meio esquizofrênica de chefe exigente e amigo descontraído nos momentos de menos serviço. Davam a todo o trabalho o tom exato de se trabalhar num barco, vindo mesmo daí os raciocínios navais que há pouco tempo ele tentava associar ao país.
Realmente, o balcão demandava um pouco mais de atenção. Fred voltou ao modo consciente.

Mulan, o curta

Uma vez a gente ficou imaginando que desenho da Disney nos representava. Eu disse que ela com certeza era a Bela, porque adorava ler, ad...