quinta-feira, maio 07, 2009

Sem Titulo ainda

Manso, manso, ele voltava pra loja. Ia naquele passo de que tudo era melhor que atravessar a rua. O sinal da Rio Branco ali na altura do Avenida Central ajudava, dando-lhe tempo para contemplar o derredor.
O meio-dia fazia seu trabalho, a luz do sol no grau máximo, e para dar uma idéia os inúmeros escapamentos conseguiam ser uma brisa mansa na canícula que, para Nelson Rodrigues, derreteria catedrais. Tempos daquele cronista da vida real, aqui e ali naquelas mesmas esquinas andando do e para o trabalho, ele e tantos outros, tomando um cafezinho e coletando silente o material para sua próxima lauda de ganha-pão.
Tempos de bonde aqueles, de ônibus soltando fumaça preta e de atuantes em todos os setores, ostentando suas atividades de peito aberto. Um Brasil para se fazer, parecia essa a diferença entre eles. Época de Nelson ainda se viam os vereadores passando lado a lado na rua. Ainda se valia a pena ter opinião sobre a vida, a política, o futebol.
Fred olhou para cima e mirou bem um anúncio gigantesco de celular. A modelo, com aquela cara de que estava curtindo de montão a vida. Tinha o plano certo e o aparelho certo para falar à vontade. E você que se dane.
Mas falar sobre o que, pensava Fred. Há ainda do que se falar nestes tempos esquisitos? O Brasil se governava sozinho, o que significa que o alto comando - aliás todo o comando - se trancou na cabine com o resto das provisões enquanto nós, a marujada, nos comandávamos uns aos outros sem na verdade comandar nada. Tentando ancorar em porto seguro, sem nem mesmo poder adivinhar que diabos era uma bujarrona, onde estava o tal sotavento e outros quetais para a direção e operação correta.
Se divertindo de leve com a metáfora, Fred pensava no quanto era triste um mundo sem rumo como o nosso. Não que sentisse falta dos generais que assolaram este país, isso ele não queria ver de volta, mas ao menos um líder que, nas piores situações, piscasse um olho para a câmera internacional. Como que dando ao brasileiro a sensação de que, se daquele evento não saísse uma solução, ele faria uma molecagem de gente grande com os mandões ao seu redor. Como tirar de dentro do paletó um bolinho de bacalhau e entregar para a rainha da Noruega, por exemplo.
O sinal fechou, abriu, e Fred constatou que ainda tinha quinze minutos de hora de almoço. Encostou ali no poste do sinal (como quererão os paulistas, o semáforo) e acendeu um cigarro. A vontade de voltar para a copiadora onde trabalhava era minúscula. Ao seu redor, tantas pessoas iam e voltavam, as mulheres com olhar determinado avançavam, nariz erguido, uma determinação no coração que era bonito de se ver. Aliás, as mulheres sempre eram bonitas de se ver, todas tinham para Fred uma beleza puramente sua. Já os homens, esses todos tinham uma cara de quem estava preso, mas logo ali adiante se escapava. Sim, era isso, os homens estavam todos e cada um procurando a saída, como quem terminou de assistir a um filme no cinema, a porta está logo ali, já saio. Os homens estavam apenas resistindo, e as mulheres tinham o mundo inteiro pela frente. E nenhuma delas precisava do Fred para abrir caminho.
Foi nisso que os raciocínios, aparentemente desencontrados, se fundiram. Nos tempos do Nelson, a mulher estava em casa esperando. Agora, os homens mantinham a posição para dar passagem às mulheres, e assim esta nau amotinada estava entrando no terceiro milênio. E as mulheres jamais dariam atenção para a porcaria da bujarrona.
Seu cigarro acabava, sua hora de almoço acabava, os gritos dos camelôs não acabavam nunca. O movimento ao seu redor se espraiava por quilômetros ao seu redor, o formigueiro carioca produzindo de tudo. Hora dele mesmo, Fred, entrar de volta no seu canto de concreto e fazer valer o seu butim.

A copiadora onde trabalhava também tinha um setor de impressões. Fred era, poucos meses atrás, operador de computador ali, e tratava os arquivos dos clientes para impressão. Vinha de tudo parar ali, os alienados, os determinados, os chorões, os mandões, todos tinham um arquivo para imprimir imediatamente ali. Sem perder um minuto sequer.
Tinha se esforçado para mudar de posição, queria fazer atendimento. Era bom em lidar com pessoas, e o atendimento pegava-as ali frescas, começava a entender a situação delas, dava tratos à bola, e passava adiante para a computação. O fascinante para ele era o imprevisível da função. O cliente chegava com todo o espectro humano de emoções naquele balcão. E o atendimento lá, compassivo, sorridente quando adequado, pondo-lhe em outro ritmo mais fácil de se lidar, ajudando com os termos certos e com os prazos necessários para se fazer os trabalhos.
Não que Fred fosse o modelo gentil de atendimento sempre apto a ajudar. Isso, nem sempre ele era, principalmente porque depois de assumir o cargo, foi obrigado a se vestir usando gravata, camisa social, sapatos e o salário aumentou apenas cinco por cento. E deveria estar o dia inteiro de pé. Se já tivesse tido sua tão desejada filha, provisoriamente chamada de Valkíria nos reinos da sua imaginação, poderia comprar quatro pacotes a mais de fralda descartável para ela com esse reajuste.
Chegando na loja, pensou na provável Valkíria. "Nem tão provável assim, na verdade", corrigiu-se. Ainda precisava de uma namorada para fazê-la, no mínimo. Teve a namorada entre os dedos, parecia mesmo ser a lendária mulher ideal, aquela tal que contracenava com tantos mocinhos em tantos filmes. Que fazia "uops" na hora de ser engraçada, entendia as maluquices da vida e tantas outras coisas que fariam sentido apenas na mulher ideal. E era bonita e inteligente, também. Massivamente inteligente. Mas a namorada, depois de bastante impressionada com a prodigalidade com que ele torrava sem reservas seu cartão de crédito, deixou bem claro que não ia ter Valkíria nenhuma em seu futuro com ela. Nem Godofredo, nem mesmo um Rogério ou uma Renata. Ela era determinada a não engravidar, que ainda tinha muito o que fazer nessa vida.
Fred pensava nesses fatos com boa parte do cérebro, enquanto mãos, olhos, boca e pernas eram coordenados por um piloto automático desenvolvido para dias que passavam devagar. Com uma jornada de nove horas em pé praticamente o tempo todo, isso significava qualquer dia. Atendia, dava entrada aos trabalhos, tinha até mesmo uma ou duas piadas automáticas no seu arsenal. E pensava.
Estava agora, portanto, com uma dívida de uns seis meses de trabalho em dois cartões. E gastara esse dinheiro todo em jantares, motéis, agrados. Com ela. A paquerinha que sabia fazer passavelmente bem, mancadas incluídas no pacote. E a moça parecia, nestes últimos tempos, indicar que o melhor dele já passara. Que ele era apenas o suficiente, por enquanto.
- Senhor Fred, atenção ao balcão!
Esses comandos estilo sargento da tropa eram do gerente, Eduardo, uma mistura meio esquizofrênica de chefe exigente e amigo descontraído nos momentos de menos serviço. Davam a todo o trabalho o tom exato de se trabalhar num barco, vindo mesmo daí os raciocínios navais que há pouco tempo ele tentava associar ao país.
Realmente, o balcão demandava um pouco mais de atenção. Fred voltou ao modo consciente.

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