domingo, maio 09, 2010

Amor Dói: Renascimento (1)

Cruzando a rua dos Inválidos, que além da Mem de Sá também tem um encontro marcado com a rua do Rezende. Só o boteco embaixo do prédio novo estava aberto. Eu estivera me entendendo com a dor, e de alguma forma o sistema do meu corpo entendeu que teria de terminar a caminhada antes de conseguir socorro, por isso pude começar a pensar com um pouco mais de clareza. E a alma estava ferida.

Aquilo que acontecera estava há meses de distância. entendi que desrespeitei uma mulher, e isso não se faz. Paguei pelo que fiz, e nunca mais faria isso de novo. Toleraria com paciência todos os desejos, birras, beicinhos, manhas, tudo sem julgamento, pois se alguém precisa daquela retribuição pela qual passei, é porque o macho da espécie humana cometeu mais do que tinha direito em falta de cavalheirismo. Seria, dali, a paga de meu gênero: gentil, discreto e generoso com qualquer mulher.

Fui interrompido de meus devaneios por um esbarrão. Um senhor saía do boteco para atravessar a Inválidos, ainda passando à boca um guardanapo, e sem me ver ao virar, interrompeu meus passos, meu raciocínio, mas não minha promessa. Com uma voz grave e familiar, se desculpou enquanto me observava. A memória de ambos estava voltando ao mesmo tempo: era José Pedro, funcionário do IML, que me reconhecia.

Tentou falar comigo, e eu tentei responder, mas pela expressão de preocupação logo vi que devia estar apenas gemendo minhas respostas, quando me parecia estar sendo bastante claro. Me explicou que estava voltando de um lanche no meio do turno, e me perguntou se queria andar com ele até o Instituto. Disse que não podia. Tinha que ir pra casa.

João Pedro insistiu. Especialmente porque via-se que algo comigo não estava bem. Me concentrei pra ser o mais claro possível, e confiando numa discrição que não precisava esperar de estranho algum, contei a ele como realmente estava minha situação.

Seu comportamento mudou na hora. "Você precisa ver um médico logo. Ainda bem que eu sou um. Venha, me deixe ajudar você.", e sem mais cerimônia me apoiou nele, e me levou até o Instituto.

Que diferença de atitude, entre pessoas do mesmo ramo! Aquele urologista de toque feminino, voz falsamente mansa, o dr. Flávio com sua indiferença profissional, e o homem que agora só se apresentava como médico! Ele não me deixava fazer esforços com as pernas, realmente dando uma pausa para os puxões.

Passamos o vigia, e em seguida os corredores vazios até as salas de corpo de delito. Fora um ou outro parente esperando pelo pior, já desenganado, ninguém nos incomodou. Entramos na sala, onde ele limpou a mesa antes de me por sentado, e eu fui tirando a roupa lentamente. Depois que estive lá por causa de um cérebro, acho que não poderia ter ninguém melhor para me ver naquele estado vergonhoso.

Quando fiquei de cuecas, parei de me despir e me sentei na mesa de aço. Já via pontos de sangue. José Pedro entendeu e me ajudou com essa parte. Tirou a cueca, e removeu com cuidado o curativo, mas lentamente. Seu olhar era de um homem ocupado, e apesar da análise criteriosa, cautelosamente foi falando que não estava tão mau assim, com aquela voz que a gente às vezes quer ouvir em casa, de um parente calmo e protetor.

Ele pegou alguns produtos, e entendi que ia começar a lavar tudo para ver realmente e refazer o curativo. Encostei a cabeça no aço da cama, e só para me tranquilizar ele foi narrando o que estava fazendo. Daqui a pouco, soltou sem mais nem menos:

- Pena que não podemos dar queixa desse tipo de violência. Ela devia ouvir uma bronca do delegado, só pra tomar um rumo na vida.

O frio da mesa de aço, estar num lugar totalmente inesperado e sozinho, com um completo estranho, tudo isso que poderia me fazer sentir um medo inexplicável, naquele momento ficou de lado e eu só senti vontade de rir. E ri feito um bobo, como se tivesse escapado do pior desafio da minha vida com alguns arranhões. Ao levantar a cabeça vi que o curativo já estava trocado, e bem feito. José Pedro estava tirando as luvas e se afastando, para que eu pudesse me vestir.

- Doutor, não tenho como lhe agradecer, comecei a dizer, quando colocava o cinto.
- Pra começar, Zé Pedro é um jeito bem legal de me chamar. E faz parte do meu trabalho ajudar as pessoas em dificuldades.
- E que dificuldade infeliz, essa, comentei olhando de banda, com um sorriso triste.
- De fato, meu amigo. Gostaria de conhecer os detalhes dela, se ninguém estiver te esperando em casa. Espero não constranger você com esse pedido, mas o plantão de domingo é meio chato e seria bom ter um pouco de companhia pra esperar as horas passarem.

Olhou pra mim com jeito de troça.

- Afinal, já fizemos um mendigo dançar, certo?

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Uma vez a gente ficou imaginando que desenho da Disney nos representava. Eu disse que ela com certeza era a Bela, porque adorava ler, ad...