Sinceramente deveria saber mais sobre essa parte da minha vida, até porque de repente posso ser o único herdeiro de um terreninho com uma árvore podre e uma casa de pedra. Mas preferi esquecer essa brincadeira bastante tempo atrás, como coisa de moleque.
Estive me lembrando desses pedaços movimentados da vida, quando a gente começa a perceber o mundo, a conhecer o que vai querer da vida, enfim, quando a gente começa a deixar de ser bobo. E nesse reviver, lembrei de Ariana.
Ela tinha esse nome mesmo, e deve ser por ter nascido no signo de Áries. Ou porque era loira de olhos azuis, e fiquei até com medo de perguntar se tinha a ver com a raça pura ariana dos nazistas.
Disse que era loira, disse que tem olhos azuis, ela. O que falta dizer é que, naqueles treze-catorze anos que tínhamos, lá na virada da década de 80 para 90, ela parecia uma miragem: não se vê aquele tipo de garota pelo Rio de Janeiro, facilmente assim. Aquele vívido brilho no olhar, olhos grandes, que prestavam atenção em todo mundo, ria que nem garoto, falava palavrão. Nos conhecemos na ACM, eu ela e um outro amigo, o Valdir.
Eu e o Valdir éramos os únicos naquele tempo que líamos gibis, antes de exisitir o colecionador, o crítico, as mostras de arte. Era puramente escapismo, e dali a gente já sabia que até os funcionários das editoras não se levavam a sério. Mas a gente viajava nas histórias, saboreando a idéia de ser um super-herói, se descobrir um dia dono de uma mutação impressionante e cheia de efeitos, de preferência alguma coisa que mudasse a forma do corpo ou que soltasse raios. Nunca, mas nunca imaginaríamos o dia da Marvel valer 4,5 bilhões de dólares ao ser vendida para a Disney.
Então já dá pra se ter uma boa idéia, certo? Nossas conversas eram sobre o que o Wolverine fez, como o Ciclope era sério, o Xavier era o mentor de todos os loucos do mundo, mas também falávamos de garotas.
É trabalhoso para um garoto nessa idade não se interessar por praticamente tudo que fosse do sexo feminino ao redor. E a gente se conheceu, e se encontrava, na ACM, que na época favorecia a imaginação com um uniforme parte lycra, parte algodão branco, que não podia molhar de suor porque senão ficava transparente.
O uniforme masculino, por outro lado, nos desfavorecia imensamente, porque o short era de um nylon finíssimo, branco ainda por cima, com a resistência de uma camisola. Ou, se preciso explicar melhor, um traidor, expondo qualquer maior entusiasmo que pudéssemos ter. E contendo nossos movimentos, porque qualquer pulinho atrás de uma bola e lá se davam as badaladas.
Mas então, falávamos de garotas. E admirávamos várias, debatíamos onde e o que todas elas tinham feito, se tinham namorado, se iam namorar, se tinha chance de chegar perto. E no meio delas, um dia como outro qualquer, surgiu Ariana.
Difícil elogiar forma do corpo, quando ainda está em desenvolvimento, e ainda por cima com nosso senso crítico nulo; mas ela tinha um belo par de pernas, e não tinha medo de usá-los. Os seios, pequenos como todas as outras: um processo em andamento. Mas o que nos arrebatou, a mim e ao Valdir, era o cheiro dela.
Num raio de dois metros ao redor dela, tinha um cheiro parecido com o de capim-limão, mas como se fosse mimetizado por glândulas, e não o original. Era um marcador olfativo, porque pegava em tudo que ela tocava por algum tempo. Às vezes ficávamos nos entreolhando, porque o cheiro dela já tinha chegado e ela não, ou ficava quando ela tinha partido. Ou estávamos apenas imaginando. Mas quando percebemos que aquele era o cheiro dela, e só dela, acabou o mundo: estávamos fisgados.
É muito gostoso sentir todos os cheiros de cada mulher que passa pela nossa vida, mas tenho que pedir desculpas a todas as outras: a única dona de um cheiro do qual posso me lembrar vinte anos depois de conhecer é ela. Só ela.
Não demorou muito, e começamos a travar contato com ela. Parávamos depois do vôlei no restaurante que a ACM Lapa tem até hoje no térreo, pagávamos refrigerantes só pro papo durar mais, e depois que ela se despedia da gente ficávamos andando que nem uns bobocas ali pelo Centro mesmo, raciocinando sobre o papo furado de agora há pouco como se fosse o Genoma Humano, precisando ser decifrado apenas por nós. Tentando extrapolar idéias que nos dissesse mais sobre ela do que tinha-se dito. Imaginando quando e se ela se dignaria a... quem sabe... qualquer coisa. Um toque incidental, uma explicação durante uma conversa, tudo, mas tudo mesmo era analisado pela nossa falta de experiência.
Poderíamos ter nos desentendido, Valdir e eu, por causa desse interesse pela mesma pessoa. Mas simplesmente decidimos que nada era certo, e brigar por nada não fazia o menor sentido. Quando, pouco mais tarde, começamos a poder visitar a casa dela, a situação não se alterou muito: íamos os dois lá. Entrávamos e saíamos juntos.
Ariana, claro, adorava. Tinha seu séquito particular, admiradores que se contentavam com a simples existência dela no mundo. Podia contar as histórias que quisesse, podia dizer que foi à Marte de barco, e nós dois lá, admirados com nossa heroína. Absorvendo qualquer bobagem, ouvindo qualquer história como se fosse a nova Bíblia ditada por Deus em pessoa para seus apóstolos. Não paramos nem quando ela começou a falar das inúmeras drogas que tinha tomado, e tomava, e tinha em casa e tudo. Se fôssemos levar a uma análise séria tudo que ela disse que tomou, era caso de internar aquela menina.
Até ela começar a falar de sexo.
Ela nos contou quase que passo a passo como o garoto do colégio dela se aproximou, o que ele disse, o que ele fez, onde ele a levou, que era um motel lindo, que ele era mais velho e podia entrar lá com o carro de um parente. Curiosamente, ela não entrou em detalhes sobre o que entrou aonde, quantas vezes, se doeu ou foi bom, até nós, muito constrangidos, começarmos a perguntar. Sobre a perda da virgindade em si, a narração dela foi como Godzilla invadindo Nova York: não apenas era uma criatura à parte, o membro do sujeito, mas ele a deixou em escombros. E grávida. E ela teve que tirar o feto numa clínica, paga pelo pai dele, com uma ferramenta que parecia ser uma chave hidráulica de encanador. Uma semana depois de terem consumado o ato.
Hoje, aqui do alto da minha "enorme" experiência, ouso dizer que ela esteve apenas aprendendo a botar banca. Nos testava em tudo, examinando quais histórias a gente engolia de uma vez, e quais partes a gente se perdia em perguntas.
Ali, naquela noite, eu comecei a examinar a sério a história de se fazer sexo. É bem bacana imaginar que vai fazer, com quem, o que, onde. Mas de fato estar com outra pessoa na cama, isso foge do escopo de um garoto nessa fase. Comecei a me examinar no espelho, regularmente. A encolher barriga. A lamentar, com muita força, que minha caspa me deixasse tão com cara de alienígena.
E comecei a passar bastante tempo no banheiro, examinando ele. Sim, ele, o amiguinho lá embaixo.
É que eu tinha fimose. Uma pele que deveria abrir, para dar passagem à glande, dita cabeça, mas não abria. Apertava. E numa ignorância típica da idade, puxava para tentar afrouxá-la. Nisso que puxava e soltava, evidentemente, a excitação acontecia. E eu, o Estranho, descobri o mundo divertidíssimo da masturbação.
Não precisava de muita coisa: era tão sensível a estímulo, que algumas vezes de pensar, ele já se endurecia dentro das calças, e alguns passos a mais davam conta de me deixar melado, o atrito das cuecas já era quase o bastante. E tinha que me apoiar em algum lugar, que as pernas bambeavam de verdade. Cheguei a vacilar e cair, um par de vezes.
Se era assim na rua, onde ficava andando meio dobrado com medo de exibir minha vigorosa (ainda que pequena) ereção, imagine o que se tornaram meus banhos. Podendo usar sabonete. Podendo olhar para ele. Podendo ver como era. Uma melequeira danada. Horas de banho. O único senão era que não poderia fazer barulho, imagine minha mãe, dona Pastranho (Patrícia Espinoza Tranho) entrando no banheiro atrás dos meus gemidos, pra acudir ao meu suposto mal-estar.
Por alguma estranha razão, eu e Valdir atingimos este lindo momento da puberdade ao mesmo tempo. Os peitos empedrados, as olheiras, os pêlos faciais começando a aparecer (mais ainda nele que em mim, tardio que sempre fui), todos sintomas mencionados nas provocações de vestiário, atentamente ouvidos e fingidamente ignorados, nos disseram que podíamos confiar um no outro para debater as mudanças.
E, claro, para usar essas mudanças em um alvo específico: a sábia Ariana, conhecedora hábil dos caminhos e descaminhos da alcova, nossa amiga, fêmea.
Valdir engrossou a voz de um dia para o outro, simplesmente. O bigode, todo ele brotou no intervalo de uma semana. Para piorar, ele seguia o biotipo de indiano, aquele cabelo preto e liso à toda prova, olhos cristalinos e tom de moreno que nunca mudava. Comparado com ele, eu era um engano hormonal. Tinha espelho em casa, e tudo mais. Nunca teria chance.
Ainda assim, ele foi cavalheiro de debater comigo. Eu capitulei logo no começo da conversa, entregando a ele a oportunidade de se entender com nossa musa inspiradora de tantas noites (e manhãs, e tardes...) para um avanço nas relações de modo a incluir intimidade maior. Ele sem titubear botou o time em campo.
Lá em casa, seu Ulysses e dona Patrícia, separados há dez anos, conversavam por telefone sobre as mudanças recentes na fisiologia do pimpolho resultante da vencida união que eles tiveram. Sei lá como ou onde, minha mãe conseguira observar (eu sempre fui muito tímido, mais ainda nessa fase) que o prepúcio não permitia o desenvolvimento completo do aparelho reprodutor. Fazia-se necessária uma intervenção, e médica, para resolver esse problema. O quanto antes.
Se quiser rir um pouco, entenda que meu pai nunca perdera o sotaque da Terrinha. Imagine que diálogo foi esse, aos berros (a companhia telefônica, Telerj, era uma lástima em qualidade), do lado dele.
– Ó P'trícia, este menino tem que poire de lado uma parte do pinto!
– Mas que mal há nisto? Os judeus fazem isto o tempo tódo!
– Não me interessa se fazem aos três dias de idade, aos três anosh ou aos trinta! É o mesmo pedaço que corta, quero lá saber se faz diferença, ó pá!
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