quinta-feira, dezembro 10, 2009

Substâncias psíquicas (1)


Sendo eu mesmo um indivíduo cá com minhas esquisitices e ainda com tantos anos trabalhando em atendimento, observando profundamente diversas pessoas, me deixaram em posição de começar a catalogá-las. Não é exatamente o mesmo que rotular indivíduos, entendam isso de agora; antes, é mister observar que as ações dos indivíduos, longe de serem identicas, podem ter fundamentos e/ou consequências que, uma vez agrupadas às centenas ou milhares de repetições, se assemelhem. Praticamente, rotular e catalogar são o mesmo tipo de tolice, mas o importante é que aqui eu quero parecer bacana, e não um tolo. Então aceitem que eu sou bacana e estamos prontos para progredir neste estudo.
Após alguns meses lidando de maneira desorganizada com os clientes selvagens da Copiadora Power Image, tentando sem sucesso criar categorias como "cliente das 19:01", "corno por contágio" ou "sem mãe", fui apresentado a um jargão da empresa, e este fez toda a diferença. Era o gosmo, capaz de se tornar verbo, gosmar.


Quando o trabalho, ao dar entrada, levava 15 minutos apenas para ser explicado, dizíamos "isso é um gosmo". Quando o cliente, ao explicar o trabalho, precisava contar as difíceis relações entre 4 ou 5 parentes dele e este trabalho, dizíamos "o cliente está gosmando".
Pode-se notar que o gosmo veio atender a uma grande gama de sentimentos. Apesar de que algumas vezes o gosmo sozinho não era capaz de atender a nossa necessidade de definições: se um cliente passava pela grade já fechada, olhava para a loja toda apagada, com máquinas desligadas e vociferava, clamando ser atendido, era-nos forçoso admitir que este era um autêntico "cliente das 19:01 corno por contágio sem mãe", e o termo gosmo se mostrava demasiado suave para definí-lo.
Fez-se portanto necessárias novas definições, ainda que descendentes do conceito de gosmo. Aqui tentarei apresentar uma resumida definição dos tipos já catalogados, muito embora possam haver muitos outros, e nem todos com sintomas negativos na personalidade humana.

Mocreatina – Substância produzida quando o indivíduo se percebe em uma "zona de conforto" dentro de sua vida produtiva. Percebe-se no comportamento do indivíduo uma aversão a qualquer convenção social, como bons modos, iniciativa, educação, capacidade de perceber detalhes (tais como ler um manual). Possíveis sintomas:
  • Se irrita com facilidade quando é exposta sua incapacidade de interpretar informações, mas o máximo que consegue manifestar é elevação da voz. Normalmente, resmunga.
  • É portador de paranóia passiva, acreditando que todas as pessoas do mundo estão de sacanagem com ele. Mas não necessariamente querendo destruí-lo.
  • Olha sempre obliquamente para as pessoas, muitas vezes sendo incapaz de encarar o interlocutor. Por puro despeito.
Pode ser encontrado na cultura multimídia representado pelo morto-vivo.



Bruacalase – O meteorito ALH 84001 trouxe eidências à ciência de nanobactérias, por indícios de aminoácidos e hidrocarbonos policíclicos aromáticos, a mesma categoria de substância que encontramos na bruacalase. Suspeita-se há anos que a bruacalase é uma contaminação tóxica oriunda do espaço sideral.
O indivíduo produz bruacalase pela saliva, e a infecção de outros indivíduos é causada por mordida. Geralmente no pescoço da vítima. Para tornar apto a espalhar a doença o indivíduo inoculado é estimulado a sentimentos de ciúme, despeito, desdém. É notável a capacidade verbal do embruacado para manifestar esses sentimentos, podendo falar por horas sobre a vida pessoal da(s) vítima(s), seja em tom de palestra ou de cochicho, até aparecerem características manchas de espuma branca nos cantos da boca. Olhos vidrados, fixando sua vítima, também são uma característica de ataque em andamento.
Grandes atores são capazes de demonstrar fugazmente estes detalhes, para facilmente serem aceitos pelo público como dedicados à arte.
A verborragia do embruacado pode ser demonstrada em diversos setores da sociedade humana, sendo um caso dos mais clássicos e abrangentes o de André Vianco. Um dia, ele percebeu que conseguia encher arquivos de Word com 200 páginas de texto. Enfim.
Escrotonina – Uma das mais controversas substâncias psicológicas, a escrotonina costuma ser associada a produção de testosterona. Pode-se observar o indivíduo produtor desta substância como um sujeito agressivo, grosseiro, preconceituoso. Comunica suas intenções olhando fixamente os olhos de seus interlocutores e sofre de surdez seletiva. Mas também é capaz de ser apontado como "macho alfa" em alguns círculos, o que geralmente é considerado um elogio profissional e sexual.
Para se observar a ambivalência da escrotonina, podemos analisar o arquétipo clássico do Ricardão. Enquanto é odiado por vários, que tem que dar licença aos seus pisões, aturar sua voz grossa berrando "mengo", seu carro ocupando duas vagas e um machismo à toda prova, certamente ele é mais admirado entre certos grupos de moças já comprometidas.
Pode-se até mesmo apreciar a companhia de um escroto, por tempo limitado e situações controladas (a cerveja e som alto). Se você quiser dormir com ele, claro.

Ainda estamos bem longe de estabelecer uma tabela completa dessas substâncias, mas este é um primeiro rascunho apenas para definir o campo até agora estudado pelo atendente que vos escreve.

quarta-feira, dezembro 09, 2009

Mocreatina

Eu estava fazendo minha atividade predileta como atendente de loja de informática, ou seja, andando na rua em missão de compras. Cheguei na papelaria, com a tampa de papelão da caixa de grampos, e pedi:
– Uma caixa de grampos 26/6, por favor?
Ao que o vendedor, sofredor como eu, responde:
– a de mil ou cinco mil?
– Cinco mil, respondo, consultando a tampa da caixa na minha mão. Longe do balcão por causa justa, sorridente e feliz.
Ele não diz nada, mas eu conheço certos indícios do ramo. Olho pra tampinha da caixa de papelão e provoco:
– Cara, também sou vendedor, detesto chegar nas lojas falando 'me vê aquela... ahhhh... uhhh... coisa... desse tamanho...' - já venho com a idéia certa na mão!
O rapaz ri da minha imitação de zumbi menudo, às gargalhadas. Saio da loja, clipes pagos, e um alívio de algum tempo no coração: não sou o único a querer viver na Lua.
É desse ponto de vista que percebo a realidade dos filmes de zumbi. O pânico desses filmes, onde sempre alguém ou um grupo de 'sadios' foge de semelhantes antropófagos movidos por forças misteriosas do além-vida, é que na verdade os zumbis existem. Isso mesmo, existem, agem daquele jeito, e se você der mole realmente comem seu cérebro. Sim, porque o que quer que seja causador da zumbificação, sem nenhuma dúvida ataca o cérebro profundamente. Eu considero uma toxina moral, e a batizei de "mocreatina".
Não, não ria ainda. A mocreatina começa a ser produzida pela psiquê do indivíduo, na mesma época da vida em que ele atinge um patamar, determinado por mim de "fase do foda-se", por alguns pesquisadores mais sérios de "zona de conforto". É uma capa de gordura que deveria recobrir o cérebro, mas na verdade atinge mesmo a capacidade de raciocínio, em inglês "wits", na gíria "o estar ligado", tá ligado?
A pessoa percebe que não precisa mais ser o esperto da turma, sua sobrevivência está assegurada por vitórias passadas. Nesse momento, semelhante ao processo da lagarta, a capacidade cerebral da pessoa entra em encapsulamento. Uma manifestação física desse fenômeno é que toda aquela energia antes transmitida para as células-glia do cérebro passam a virar reserva para o futuro. Células-glia são aquelas moradoras do cérebro que alimentam os primos já famosos, os neurônios, com energia para aquelas brilhantes idéias que todos nós temos. Quando eu falo "reserva para o futuro", eu estou me referindo ao nosso já conhecido bacon, toicinho, ou se preferir pança.
Um sintoma evidente de que o indivíduo está produzindo mocreatina é aquela barriguinha bacana crescendo, para ser chamada pelos amigos de calo sexual, pânceps e reservatório de chopp. Pode ser facilmente encontrada em funcionários públicos, em geral começando a ser notada aos cinco anos de funcionalismo, que é quando a digníssima bunda não pode mais ver pé pela frente. Também é notada em policiais militares com "rota de coleta de proteção" definida, e definitivamente na maioria dos síndicos re-eleitos.
É uma característica com faixa etária mais ou menos definida, dependendo de uma mistura de fatores internos e externos para ocorrer. Curiosamente, acabam setorizando os indivíduos, que passam a menosprezar contato com outros estados manifestos, por exemplo as mulheres que já aplicaram botox e crianças na troca de dentição.
Em artigo futuro exploraremos também a bruacalase, outra substância psíquica descoberta por este seu pesquisador amador. A mocreatina e a bruacalase têm sintomas muito parecidos, mas para o observador treinado é possível distinguir detalhes que permitem a distinção e o tratamento adequados.

Um portador de mocreatina, para fins de ilustração, pode travar este diálogo numa loja de informática:

Portador – Isso aqui é mouse pad [apontando para um produto com os dizeres "BASE PARA MOUSE ÓTICO"]
Vendedor – Sim senhor, esses dois são. Esse custa R$ 10,00 e aquele R$ 5,00.
P – E qual a diferença?
V – Um é feito de E.V.A, e o outro...
P[interrompendo] – Que eu tenho mouse sem fio, ele tem uma luzinha embaixo, não sei se ele é ótico. Pode ser de bolinha, né?
V – Se ele tem luz embaixo deve ser ótico, senhor.
P – Mas ele é sem fio... Não sei se essa base vai funcionar pra ele não.

Em breve voltamos com mais um pouco de exploração do mundo das toxinas psíquicas.

Mulan, o curta

Uma vez a gente ficou imaginando que desenho da Disney nos representava. Eu disse que ela com certeza era a Bela, porque adorava ler, ad...