sábado, janeiro 23, 2010

Batismo (Ou: Amor dói) – parte 5

O sentimento de novo mestre da humanidade foi sumindo nos dias que vieram, e foi dando espaço a um sentimento de execução iminente. Ia doer? E se errassem alguma coisa? A inquietação não melhorava quando eu passava pela sala, onde dona Patranha colocara um aviso ocupando uma folha inteira de A4:
23 DE AGOSTO
CIRURGIA OSVALDO
10:00 EM JEJUM
Onde eu comecei a ler
23 DE AGOSTO
GRANDE EXECUÇÃO DO PINTO DO OSVALDO
FARTA DISTRIBUIÇÃO DE COMES E BEBES
TRAJE ESPORTE FINO – BINGO
APÓS O EVENTO DISTRIBUIÇÃO DA FILMAGEM EM VHS!!!
E se parece exagero, basta pensar que minha mãe comentava o assunto com ares de gravidade e um estranho respeito, mas comentava até com o quitandeiro:
– Seu Zé, me vê uma dúzia de bananas?
– Uma dúzia? A senhora leva só meia!
– É, mas MEU FILHO VAI FAZER UMA CIRURGIA E NÃO QUERO QUE ELE FIQUE DESNUTRIDO, SABE?
– Tá certo, dona Patrícia. Mais alguma coisa?
– Sim, me vê meio quilo de inhame, que É PRA PREPARAR MEU FILHO PRA CIRURGIA, INHAME É BOM PRA QUEM ESTÁ SE RECUPERANDO DE UMA CIRURGIA, NÃO É?
Quando todo mundo começou a olhar pra mim como se eu tivesse um gêmeo agarrado, ou um terceiro braço, eu entendi que os dias de ajudar minha mãe na rua estavam contados. Mas eu realmente corri pra casa quando ouvi a pergunta que não queria nunca, jamais ter ouvido:
– Cirurgia? Mas ele parece ótimo! Vai operar o quê?
Pode parecer uma besteira, mas imaginar minha circuncisão como tema de debate de todo o comércio local, mais os porteiros, as vizinhas, e seja lá quem tenha passado no caminho da minha mãe naqueles dias, me fez ter muita vontade de ficar em casa. Ou de mudar de planeta, mas ficar em casa parecia mais coerente, já que o Cabo Canaveral ficava muito longe.
Senti muita saudade da escola pública que frequentava no subúrbio, num período que não pude morar com meus pais. Foi lá que aprendi a gostar de ler, na biblioteca pública que eles mantinham, e foi lá que tive acesso a moderna enciclopédia de educação sexual (ou lá o nome que tivesse o relatório Kinsey), que li até o tomo três de cinco, quando me flagaram e isolaram a estante inteira. Ainda assim, era muito melhor passar duas horas lá a título de estudo, lendo Júlio Verne, Monteiro Lobato, Maravilhas da Modernidade, alguns gibis, o que estivesse dando sopa. Muito, muito melhor que voltar para a casa da minha avó.
Nessa depressão comecei a olhar para os livros da minha mãe, que remontavam de uma época anterior à minah vinda ao mundo, uma época onde ela não era a mãe vigilante e isolada de contatos que depois se tornara. Relatório Hite, Erich Von Däniken, Richard Bach, Edgar Allan Poe, mais alguns sobre massagem, do-in, chakras. Hmm massagem. Comecei a ler.
Uma boa parte dos dados entrava na minha cabeça sem muito significado, pois os livros que estavam ali defendiam que você pode apertar o pé para consertar um fígado; apertar a orelha de um certo jeito para regular alguma coisa como "estabilizar o coração"; ou apertar um canto da mão para acertar "a vibração harmônica do útero"
opaaa. Alguém falou em útero? Modo alta resolução ativado, gravando.
Nunca antes eu tinha tentado ler mais de um livro de cada vez, mas tinham um cinco ou seis livros em cima da mesa quando eu me dei conta de que, com títulos diferentes, mestres diferentes, autores diferentes, todos afirmavam que era perfeitamente possível, em resumo, dar tesão em uma mulher apertando-lhe a mão de uma certa maneira. O truque de verdade era o movimento circular do polegar sobre a carninha entre o polegar e o indicador dela. Para dar firmeza, o seu dedo médio ia por baixo, no meio da mão, forçando para cima, enquanto o indicador pegava a mesma carninha por baixo, na forma de um beliscão, mas não machucando. Massageando.
Oportunamente, o telefone tocou. Entenda, era uma época em que a telefonia fixa era uma arte, não uma ciência: planejávamos as ligações, gastávamos de cinco a vinte minutos tentando começar a ligação, e às vezes uns ecos de cano entravam na ligação, ou linha cruzada, ou simplesmente engano. Muito engano. Pegar, ligar e falar era coisa de novela da Globo. Quando eu disse que era oportuno, queria dizer que era Ariana.
Eu não tinha aparecido nos últimos dias, e isso era estranho porque já estávamos há coisa de uns oito meses nos vendo praticamente todos os dias, menos os finais de semana que eu passava com meu pai. Ela decidiu vir quando eu disse que queria ficar em casa e isso era novidade: era sempre eu a ir lá. Por alguma razão, ela e minha mãe não se davam muito bem, e só fui entender alguns anos depois.
Ela veio. E veio com um vestido de algodão tubete justo, verde vômito, da Alternativa (uma marca de roupas vendida na Mesbla). Sem bolsos, o que a fazia levar a carteira estufada de sei lá o quê na mão. Lembro bem do vestido, porque foi quando realmente registrei, num acesso de memória sobreposto ao momento presente, que Ariana simplesmente não usava sutiã. Nunca. E às vezes também não usava calcinhas, como podia notar. Naquele dia, não.
Eu tinha deixado os livros empilhados em cima da mesa, mas fechados. Menos um, que mostrava um complexo diagrama indiano dos fusíveis da alma ligada ao corpo, ou qualquer coisa assim que não tinha entendido ainda, mas era impressionante.
Ela foi perguntando o que estava acontecendo comigo, se eu estava inteiro e não ia na casa dela. Sentei-me com ar grave na frente do livro, e isso fez ela se reposicionar na minha frente. Dessa vez com a janela ensolarada nas costas.
Como eu podia imaginar a se julgar do algodão (dona Patranha já trabalhara com roupas, tecidos e figurinos antes de ir para a editora que estava agora), a luz passava diretamente sobre ele, deixando uma silhueta nua na minha frente. Sentado, cabeça baixa no livro, ar grave, apenas olhei para ela, sem ser notado. Olhei bem no meio das coxas grossas e torneadas.
E lá estava. Grandes lábios, encapsulando vagina e sua pequena pérola, o clitoris, e dali o canal vaginal, e logo acima (valeu Kinsey!) o útero. Pacote completo, mais uma Ariana em volta! Acho que poderia levantar o tampo da mesa, se a mesa colaborasse e descesse uns vinte centímetros até o meu  impávido canal único de reação.
Ela acabou com o show, sentando-se do outro lado da mesa para me encarar. "Porra fala alguma coisa", ela pediu delicadamente.
Eu dei uma explicação muito ruim em qualquer escala sobre ter que operar em breve, e estar estudando umas técnicas de relaxamento. Que minha vida estava mesmo em grandes mudanças, ano que vem teria que mudar de colégio, se desse tudo certo até lá. "Cara ouvi dizer que o Liceu é bom, mas porra Valdo o que que você vai operar, cacete?" e eu quase soltei um "EXATO!", mas me segurei, fiz uma cara de ascetismo à beira do sacrifício e mandei, "Não importa. Quero saber se aprendi direito".

"Segundo o que eu li, o corpo tem muitos pontos de contato com áreas internas e estados de humor". Disse, enquanto pegava sua mão. "Este aqui serve para relaxar, então me diz o que você sente, tá?"
Ariana estava meio desconcertada ainda, sem saber se adotava a Atitude Caminhoneiro para Contatos Físicos com Osvaldo (TM), ou o quê; deixou que pegasse sua mão.
Por uma tacada de sorte, acertei como nunca na vida acertaria essa manobra tão depressa: duas pequenas e suaves voltas do polegar, e o corpo dela já reagiu. A sequência foi bastante rápida? Pelo que me lembro, sim: os pêlos dos braços se eriçaram; o rosto, tão branco, ficou rosado; os mamilos se intumesceram (nem sabia que eles realmente faziam isso); as pupilas se abriram, assim como a boca, levemente; a mão livre da Ariana me acertou um catiripapo no pé do ouvido.
Ela puxou a mão, sentindo-se violada, e fazia menção de ir embora quando viu o cartaz da minha mãe na estante. Do lado, os documentos do laboratório com exames e autorizações. Virou-se para mim, sobressaltada, e esquecida do ultraje, perguntou "é sério mesmo? Você vai operar amanhã?" Eu confirmei, a cara doendo e o orgulho também (afinal agora ela batera num doente). "Mas operar o quê, caralho?" E eu, apertando o riso mas fazendo cara de sóbrio sofrimento, disse "fimose", simplesmente.
Nesse momento, minha mãe irrompeu no apartamento. Vendo Ariana, fez um ar de choque, daqueles que se faz quando os índios começam a invadir a sua casa no Oeste pela manhã. Ariana automaticamente se despediu, prometendo falar depois comigo.
Com a saída dela, dona Patranha veio à carga, para advertir sobre os males de se abrir a porta de nossa fortaleza aos traiçoeiros comanches. Ou algo assim, já não ouvia muito.
*** JÁ SABE QUE CONTINUA, NÉ? ***
*** TRAJE ESPORTE FINO! TRAGA ROUPA DE BANHO! ***

Um comentário:

editor disse...

melhor cap ate agora( sera que é pq fala de BUCETA em vez de CARALHO, caralho)RSRSRSRSRS

massagem

ai vamos nos google

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