Voltando pra casa.
Cada passo deveria ser de dor, mas na verdade é indiferente. Simplesmente dói o tempo todo. Lateja. Repuxa. Aquela dor aguda, o corpo requerendo atenção imediata, tem algo simplesmente muito errado aqui. Por isso, não consigo muito avançar rápido: estou apenas resistindo à essa vontade desgraçada.
Pensa em alguma coisa, Valdo. Qualquer coisa. Anda e pensa.
Voltando pra casa.
Lembro da Ariana vindo, devagar, me pondo sentado de novo no sofá. As cenas, junto com a dor, se repetem na minha cabeça. Passando as duas mãos nas minhas pernas. Indo para o quadril. Sentando, pernas abertas, nos meus joelhos. Alisando, agora, as próprias coxas, subindo mais um pouquinho a saia já curta, deixando uma calcinha de algodão aparecer.
E aquele olhar.
Eu queria que aquilo acontecesse. Queria com quase todas as fibras dentro de mim. Exceto aquelas envolvidas pelos pontos. Que também eram fibras, ainda mais determinadas que as minhas. Suava, tenso. Meu rosto era um braseiro, entre excitado e envergonhado, e querendo, e não querendo.
Ela me olhava, media minhas reações, e se divertia. Analisando o meu desequilíbrio naquela ponta de faca que me encontrava. Sabendo, sabendo de verdade que não era apenas prazer que eu sentia, mas a necessidade urgente de renegar o prazer. E gostando. Ela estava gostando de fazer aquilo comigo!
Podia ver a pequena curva, no meio de suas pernas, protegida pela calcinha. Lembrei que muitas vezes sobrepunha, em imaginação, diagramas anatômicos ao corpo dela, imaginando que parte ia em qual canto da roupa. Olhava, nos relances, sua barriga e imaginava, canal vaginal, útero...
Meu desespero, minha excitação, meu corpo cheio de vontades contraditórias, eu me torturando, mesmerizado, incapaz de sair ou ficar, uma inação entregue ao momento da verdade. Numa ação desesperada, puxei meu aparelho reprodutor para dentro, numa contração muscular que não me lembro de tentar antes na vidinha que tive até ali.
Agora ainda, no presente, contraía igual. Pra tentar minimizar as coisas.
... Trompas. Voltava a pensar nos grandes lábios, pequenos lábios, clitóris. O conjunto me lembrava exatamente o desenho do portal principal da Igreja de São Pedro, em Santa Tereza. Como será que o diagrama da vagina virou desenho de porta de igreja?
Ariana percebia quando eu conseguia recuar a mente pra dentro de mim mesmo. Abriu as pernas, pude ver os tendões da coxa, levando ao meio. Ela levantou mais a saia, enquanto puxava os elásticos das pernas da calcinha pra dentro. Pude ver alguns pêlos. Uma carne macia começou a sobrar do tecido apertado. Com alguns pêlos aparecendo. Louros. Ela largou a calcinha e segurou meu rosto pelo queixo, erguendo. Se inclinou pra muito perto de mim, um quase beijo que não era pra ser agora, mas podia ser qualquer outra hora da minha vida. Senti o hálito, a respiração. Vi detalhadamente os pelos suaves do rosto. O olhar era sádico. Entre o divertimento e o disciplinamento. Duro e divertido. Os dentes brancos apareciam quando ela falava.
— Que foi? Tem alguma coisa te incomodando?
A porta da Igreja de São Pedro tem arquitetura gótica, e a construção de um arco gótico demandava uma sequencia de pedras devidamente talhadas, e depois adequadamente empilhadas, com cuidado e método, para que todo o conjunto se apoiasse na pedra superior, gerando pressão uniforme entre as partes. Era uma queda constante. Constantemente mantida pela pedra menos provável.
Devo portanto, ter grunhido.
Ela olhou para trás, e pude ver quando o torso ficou virado, através do vão entre os botões da camisa, um seio. Seu volume, seu traço, a aréola, o mamilo duro. Ela voltou só o rosto, acompanhou meu olhar, sorriu.
— Acho que você precisa de uma televisão pra se distrair. Será que consigo ligar daqui?
Levantou-se do meu colo, e por cima da mesinha de centro da sala, tentou ligar a tevê.
— Ah, não alcanço o botão.
Dessa vez ela se apoiou de quatro na mesinha, que resistiu tão bem quanto eu até ali.
Comecei a pensar que deveria reter na minha memória reflexos condicionados, como não pensar a palavra "bunda" ao ver uma. Deveria ser mais cavalheiresco, até no meu íntimo, e pensar termos como glúteos, nádegas, quarto posterior. No máximo, em momentos mais discretos entre duas pessoas, para não desmerecer minha companheira, um recatado "bumbum", em voga na época. Isso que eu estava fazendo, enquanto a Ariana estava de quatro sobre a mesinha de centro, com a bunda na minha cara, embalada em uma suave e angelical calcinha de algodão, se chamava tergiversar. Essa palavra, diretamente do latim, queria dizer apenas o que Ariana estava fazendo, dar as costas. E o significado indireto, usar de evasivas, rodeios, subterfúgios, servia bem para o que estava fazendo agora, dentro da minha mente. Incapaz de me mexer, e entendendo claramente que não conseguiria sequer olhar para o lado, estava vendo o que era me posto diante dos olhos para ver, e procurava não associar aquilo a nada.
Voltando pra casa.
Benditos marinheiros de Odisseu! Tinham apenas que se amarrar no navio, deixar as sereias passarem, lalalá, e estavam salvos. Já esta aqui, em cima do deque, indo e vindo e querendo que meu mastro se dane!
Voltando pra casa. Os passos não causam dor, ela já existe, acredita nisso. Por favor. Você ainda está na altura da Lavradio, Valdo.
O olhar tinha toda a maldade que eu já vi em uma só pessoa. Instigava, e analisava o resultado, brilhava em júbilo. Instigava de novo.
Eu pensava na Litania contra o Medo, e de alguma coisa me valeu, porque esse caso pedia que meu medo estivesse sob controle. Com o medo, o sangue rodava desvairado no corpo. Não se concentrava necessariamente aos órgãos da reprodução. Mas eu precisava de mais medo. Precisava pensar em uma grande queda, de uma grande altura, queriam meu mal e me largavam lá do alto, alguém, eles, sem uma história não consigo acreditar na minha emulação!
Ariana viu que meu esforço dava algum resultado, desligou a tevê, e se sentou de frente pra mim. Com olhar de menina. Fazendo beicinho.
— Acho que estou pegando pesado com você.
Fez uma pausa, esperou que eu lentamente fechasse e abrisse os olhos, me acostumasse com a mudança.
— É que eu não pude resistir. Me fizeram um comentário outro dia sobre essa roupa, e eu achei que não era possível. A gente se arruma tanto, e a coisa que deixa os homens interessados é justamente esse uniforme ridículo! Me disseram que até tem um escritor, há anos ele fala que essa roupa devia ser vista em puteiros.
Pensei, Nelson Rodrigues, nunca me deixaram ler por causa disso. Mas respirar nesse momento já tomava todo o meu fôlego. Ela estava sentada de frente pra mim, reclinada, sem sutiã, com ar de chorinho. ufff, grunhi.
— Precisava ter certeza. E nesse seu estado... Não tem como você fazer nada se for verdade, nem mentir, se não for.
Miserável.
— Mas eu tenho um jeito de compensar você. Lembra que você sempre me disse que gostava do meu cheiro?
— Ahã.
Ela pôs uma das mãos dentro da calcinha.
—Eu até te flagrei uma vez, quando voltava do banho, cheirando uma camiseta minha usada da ACM... A expressão do seu rosto era tão esquisita! Mas eu só vi de lado.
Eu achei que isso seria motivo de briga, mas se ela estava tão curiosa eu talvez devesse tentar concatenar uma explicação que deixasse a gente bem. Certamente haveria uma.
— Então. Esse teste me deixou meio... empolgada, também, sabe? Ver você assim...
E subitamente, a mão partiu de lá de baixo, como num tapa, de baixo pra cima, a ponta dos dedos raspou na minha camiseta, queixo e nariz. Os dedos estavam molhados.
Eu demorei pra entender o que isso queria dizer. O cheiro era diferente, mas ainda mais convidativo que o capim-limão de sempre. Ainda que estivesse incluído ele, também.
Meu pau entendeu primeiro. Numa arrancada digna de motor de Ferrari, ele simplesmente saltou daquele estado intermediário de suspense, para... o limite do curativo.
Aí o raciocínio compreendeu aquele estímulo. Reprodução. Agora.
A montagem do curativo era com a gaze para dentro. Essa gaze, agora, com seus fios espaçosos, fazia a resistência natural ao crescimento da glande e o arrastar da área cheia de pontos. E era escorada, por fora, pelo esparadrapo em espiral. Feito para não soltar, a não ser com cuidado. Eu sentia, em vários cantos, os pontos passando, como se fosse pequenos gatilhos, pelos fios que cruzavam seu caminho. Sentia a vibração na carne, um tectectec cada vez mais lento.
A glande, decidida ao seu papel, progredia dentro da armação. E atrás dela, os fios gradualmente iam se prendendo aqui e ali. Alguns já esticavam.
Nesse tempo impossível de medir, se em horas, ou milésimos, pressenti meu destino e perguntei em lamúria: "porquê isso? O que eu te fiz?"
E Ariana, enquanto caía encolhido de lado no sofá, se levantou, me olhou de cima, e enquanto o meu centro de corpo estalava e ameaçava se condenar, explicou:
— Porque vocês merecem. Vocês, homens, são todos iguais. Merecem um castigo por nos impor limites, regras, formas. Por nos pegarem e depois jogarem fora de qualquer jeito. Nos usarem!
O cheiro preso em mim cegava qualquer medo daquela pessoa estranha à minha frente. Me deixava sem ação.
— Pensa que eu não vejo, o que você quer de mim esse tempo todo? Ao menos o Valdir foi honesto e direto, veio e disse o que queria. Ele foi homem.
Eu comecei a andar de gatinhas no chão, pra porta de saída. Me arrastava e sabia disso. E as palavras combinavam com o cheiro, para dar um efeito ao mesmo tempo acre e doce.
—Mas você, Valdo, você ficou! Ficou se insinuando, esses meses todos, se aproximando, de conversinha! Olhava pra mim com olhar de fome, toda a hora, e eu entendi muito bem que você me comia com os olhos! Que você me queria! E ainda quer, até mesmo agora!
Ela começou a andar atrás de mim. Na verdade, me passou, abriu a porta do apartamento, e terminou:
—Essa, Valdo, é minha revanche! Hoje eu fui à forra de tudo que você pensou de sacanagem, de ruim, de mim!
Passei o batente da porta. Ela me chutou no traseiro, terminando de me expulsar para o corredor.
— Some daqui!
E bateu a porta. E eu me levantei, sei lá como, chamei o elevador, alcancei a rua. E estou voltando pra casa.
Já estou quase na Gomes Freire.
Voltando pra casa.
Benditos marinheiros de Odisseu! Tinham apenas que se amarrar no navio, deixar as sereias passarem, lalalá, e estavam salvos. Já esta aqui, em cima do deque, indo e vindo e querendo que meu mastro se dane!
Voltando pra casa. Os passos não causam dor, ela já existe, acredita nisso. Por favor. Você ainda está na altura da Lavradio, Valdo.
O olhar tinha toda a maldade que eu já vi em uma só pessoa. Instigava, e analisava o resultado, brilhava em júbilo. Instigava de novo.
Eu pensava na Litania contra o Medo, e de alguma coisa me valeu, porque esse caso pedia que meu medo estivesse sob controle. Com o medo, o sangue rodava desvairado no corpo. Não se concentrava necessariamente aos órgãos da reprodução. Mas eu precisava de mais medo. Precisava pensar em uma grande queda, de uma grande altura, queriam meu mal e me largavam lá do alto, alguém, eles, sem uma história não consigo acreditar na minha emulação!
Ariana viu que meu esforço dava algum resultado, desligou a tevê, e se sentou de frente pra mim. Com olhar de menina. Fazendo beicinho.
— Acho que estou pegando pesado com você.
Fez uma pausa, esperou que eu lentamente fechasse e abrisse os olhos, me acostumasse com a mudança.
— É que eu não pude resistir. Me fizeram um comentário outro dia sobre essa roupa, e eu achei que não era possível. A gente se arruma tanto, e a coisa que deixa os homens interessados é justamente esse uniforme ridículo! Me disseram que até tem um escritor, há anos ele fala que essa roupa devia ser vista em puteiros.
Pensei, Nelson Rodrigues, nunca me deixaram ler por causa disso. Mas respirar nesse momento já tomava todo o meu fôlego. Ela estava sentada de frente pra mim, reclinada, sem sutiã, com ar de chorinho. ufff, grunhi.
— Precisava ter certeza. E nesse seu estado... Não tem como você fazer nada se for verdade, nem mentir, se não for.
Miserável.
— Mas eu tenho um jeito de compensar você. Lembra que você sempre me disse que gostava do meu cheiro?
— Ahã.
Ela pôs uma das mãos dentro da calcinha.
—Eu até te flagrei uma vez, quando voltava do banho, cheirando uma camiseta minha usada da ACM... A expressão do seu rosto era tão esquisita! Mas eu só vi de lado.
Eu achei que isso seria motivo de briga, mas se ela estava tão curiosa eu talvez devesse tentar concatenar uma explicação que deixasse a gente bem. Certamente haveria uma.
— Então. Esse teste me deixou meio... empolgada, também, sabe? Ver você assim...
E subitamente, a mão partiu de lá de baixo, como num tapa, de baixo pra cima, a ponta dos dedos raspou na minha camiseta, queixo e nariz. Os dedos estavam molhados.
Eu demorei pra entender o que isso queria dizer. O cheiro era diferente, mas ainda mais convidativo que o capim-limão de sempre. Ainda que estivesse incluído ele, também.
Meu pau entendeu primeiro. Numa arrancada digna de motor de Ferrari, ele simplesmente saltou daquele estado intermediário de suspense, para... o limite do curativo.
Aí o raciocínio compreendeu aquele estímulo. Reprodução. Agora.
A montagem do curativo era com a gaze para dentro. Essa gaze, agora, com seus fios espaçosos, fazia a resistência natural ao crescimento da glande e o arrastar da área cheia de pontos. E era escorada, por fora, pelo esparadrapo em espiral. Feito para não soltar, a não ser com cuidado. Eu sentia, em vários cantos, os pontos passando, como se fosse pequenos gatilhos, pelos fios que cruzavam seu caminho. Sentia a vibração na carne, um tectectec cada vez mais lento.
A glande, decidida ao seu papel, progredia dentro da armação. E atrás dela, os fios gradualmente iam se prendendo aqui e ali. Alguns já esticavam.
Nesse tempo impossível de medir, se em horas, ou milésimos, pressenti meu destino e perguntei em lamúria: "porquê isso? O que eu te fiz?"
E Ariana, enquanto caía encolhido de lado no sofá, se levantou, me olhou de cima, e enquanto o meu centro de corpo estalava e ameaçava se condenar, explicou:
— Porque vocês merecem. Vocês, homens, são todos iguais. Merecem um castigo por nos impor limites, regras, formas. Por nos pegarem e depois jogarem fora de qualquer jeito. Nos usarem!
O cheiro preso em mim cegava qualquer medo daquela pessoa estranha à minha frente. Me deixava sem ação.
— Pensa que eu não vejo, o que você quer de mim esse tempo todo? Ao menos o Valdir foi honesto e direto, veio e disse o que queria. Ele foi homem.
Eu comecei a andar de gatinhas no chão, pra porta de saída. Me arrastava e sabia disso. E as palavras combinavam com o cheiro, para dar um efeito ao mesmo tempo acre e doce.
—Mas você, Valdo, você ficou! Ficou se insinuando, esses meses todos, se aproximando, de conversinha! Olhava pra mim com olhar de fome, toda a hora, e eu entendi muito bem que você me comia com os olhos! Que você me queria! E ainda quer, até mesmo agora!
Ela começou a andar atrás de mim. Na verdade, me passou, abriu a porta do apartamento, e terminou:
—Essa, Valdo, é minha revanche! Hoje eu fui à forra de tudo que você pensou de sacanagem, de ruim, de mim!
Passei o batente da porta. Ela me chutou no traseiro, terminando de me expulsar para o corredor.
— Some daqui!
E bateu a porta. E eu me levantei, sei lá como, chamei o elevador, alcancei a rua. E estou voltando pra casa.
Já estou quase na Gomes Freire.