quarta-feira, setembro 23, 2015

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Eu passei a vida inteira sendo o guardião entre dois mundos. Os mundos mudaram com o tempo, mas eu mudei também.
Por algum tempo, eu fiz figuração e era apenas um figurante. Ok. Tô lá pra aprender. Tô lá pra somar meu nadica de nadinha, que seja às vezes nem ser filmado numa cena.
Mas uma coisa que aprendemos sobre nós é quando os outros são obrigados a dar uma opinião, qualquer que seja, sobre a gente. E eu rapidamente aprendi, quando um fiscal, maquiador, figurinista tem que perguntar "o que você vai ser hoje?", que na formulação de estúdio é ainda mais bacana, "o que você é?", que eu tenho que fazer uma pausa lenta e hesitante para responder. Ganho uma opinião na hora.
Não que eu não tenha reparado antes, claro, mas é engraçado desenvolver um método para ver que as pessoas levam mesmo tempo pra dar o chute delas. Porque na verdade eu não pareço ser, exatamente, nada.
O que é ótimo, eu sou um ator. Elas precisam ler meus maneirismos para ter ajuda.
Lembrei que eu já saí andando pela rua vestido de mago, e com meu gestual, um mendigo pediu bênção que de mago pra padre é mesmo um pulo. Já balbuciei em alemão e fui tratado como um automaticamente. Advogado que deu consultoria a sério num elevador. Já vendi foto fantasia apenas com mímica. Já fiz amigo meu ver coisa na escuridão que não estava lá, só pela minha narrativa.
Mas ultimamente uma coisa nova aconteceu. Com toda a gama de reações, boas e ruins, as pessoas ultimamente tem reparado outra coisa em mim.
Eu estou começando a parecer alguma coisa. Eu estou começando a me parecer comigo mesmo.
Parece que meu peito tá parindo uma estrela. Devagarzinho. E todo mundo consegue ver.
Longe de mim pensar, agora, se é isso aí mesmo, se eu vou chegar ao ponto de início da minha verdadeira jornada. Claro, né, que eu seja uma estrela, sonho com isso, quero muito e tô trabalhando que nem uma puta pra isso acontecer.
Mas tô bem feliz de perceber que agora eu sou dois mundos.

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