Algumas vezes, almoçava com meu pai.
Aquele escritório moderno, com lâmpadas fluorescentes e nada daqueles livros feiosos que apenas tinham lombadas falsas para guardar a bebida. A principal função do meu pai era conversar com pessoas que visitavam o escritório dele, então nada de muito suntuoso, mas ainda assim uma ou duas peças divertidas para distrair os mais tensos.
Me sentava numa mesa menor, levava meu dever de casa, e quando terminava ele me deixava mexer na máquina de escrever. IBM 6873. Eu achava ela uma peça de tecnologia dos deuses. Descobri uma vez que, por mais rápido que eu batesse nas teclas, ela conseguia escrever no papel cada um dos botões que eu pressionava. Eu comecei a tentar digitar adequadamente, sem bater ao acaso, mas o mais rápido que eu pudesse.
Numa tarde dessas, quando os bancos começavam a ficar mais vazios pelo advento do caixa eletrônico, eu estive com meu pai numa agência bancária. Eles tinham a mesma máquina numa mesa anexa à do gerente, onde uma moça muito bonita estava ocupada.
Rapaz, não tem como eu te dizer o que era bonito naquela época. Imagine que o melhor ar condicionado diminuía a temperatura lá de fora em cinco graus. Imagine que desodorante que durasse até depois do almoço "fazia milagres". Homem responsável mantinha um bom bigode, e limpo. "Sorriso branco" incluía até 90% dos dentes da frente, e eram só menos amarelados.
Mas lá estava, uma moça de seus vinte e poucos anos, vestido discreto, cabelos levemente ruivos, sardas no rosto, usando uma 6873.
Incrivelmente, consegui me aproximar dela. Surpreendi quando falei da máquina, e não de algum aspecto físico da moça. E notei que ela não parava de digitar para conversar. Meu pai e o gerente conversaram por dois minutos, e quando percebi estávamos de saída. A secretária se despediu de mim, apertou minha mão e conseguiu colocar lá dentro um papel com sete dígitos e um nome.
Foi assim que conheci Sônia.
Voltei com meu pai para o escritório, ainda pensando no papel que ela me deu. Seria possível que aquilo fosse um telefone? O dela? Mas porque? Minha mente, sem entender o que aconteceu, divagava, e nisso me vi pensando em digitar que nem ela, enquanto conversava e olhava para os lados, sem notar o que minhas mãos faziam.
Andávamos pela Rio Branco, e os ônibus passavam pasmacentos, mas eficazes. Fiquei muito tempo imaginando se cruzei sem saber com Nelson Rodrigues, ali nos arredores da Rua da Ajuda. No sinal, comentei com meu pai que não entendia como as cores mudavam.
– É por tempo, meu querido. A luz verde fica uns tantos segundos acesa, aí se apaga para dar lugar à luz vermelha, que nos deixa passar.
– Sim, pai, mas como funciona naqueles filmes de lá de fora, que ainda tem um sinal para os pedestres?
Meu pai pensou um pouco. De fato, nossos semáforos daquele tempo eram algo de pitoresco: um quadrado listrado de branco e preto, com uma luzinha verde-amarelada e outra vermelho-alaranjada. A tinta dos vidros do semáforo não eram tão uniformes como passariam a ser depois. Ainda tinham uma espécie de quepe, um protetor para não pegar chuva e as pessoas poderem ver de fato qual estava acesa.
Tinha um funcionário da prefeitura que era responsável por passar um pano e limpar a poeira preta do monóxido de carbono que se acumulava no vidro, duas vezes por mês. O mesmo que se responsabilizava por limpar os azulejos das paredes dos túneis.
– Não sei, filho, mas acho que o interruptor de tempo que tem perto das luzes do semáforo devem ficar no poste, aí elas passam energia para o vermelho de parar os carros, enquanto coloca o verde para os pedestres andarem.
Olhei de novo para o nosso sinal. Não tinha postes presos à ele. Eram fios que vinham da rua. O mecanismo todo tinha que estar dentro daquela caixa listrada, lá no alto.
– Mas então aqui temos uma obra de engenharia, com aquela caixa pendurada lá no alto segurando luzes, relógio, temporizador, tudo junto!
– Isso mesmo, filho! Um engenho à vista de todos, e invisível para a maioria.
Parecia que ele estava orgulhoso de mim.
Aquele escritório moderno, com lâmpadas fluorescentes e nada daqueles livros feiosos que apenas tinham lombadas falsas para guardar a bebida. A principal função do meu pai era conversar com pessoas que visitavam o escritório dele, então nada de muito suntuoso, mas ainda assim uma ou duas peças divertidas para distrair os mais tensos.
Me sentava numa mesa menor, levava meu dever de casa, e quando terminava ele me deixava mexer na máquina de escrever. IBM 6873. Eu achava ela uma peça de tecnologia dos deuses. Descobri uma vez que, por mais rápido que eu batesse nas teclas, ela conseguia escrever no papel cada um dos botões que eu pressionava. Eu comecei a tentar digitar adequadamente, sem bater ao acaso, mas o mais rápido que eu pudesse.
Numa tarde dessas, quando os bancos começavam a ficar mais vazios pelo advento do caixa eletrônico, eu estive com meu pai numa agência bancária. Eles tinham a mesma máquina numa mesa anexa à do gerente, onde uma moça muito bonita estava ocupada.
Rapaz, não tem como eu te dizer o que era bonito naquela época. Imagine que o melhor ar condicionado diminuía a temperatura lá de fora em cinco graus. Imagine que desodorante que durasse até depois do almoço "fazia milagres". Homem responsável mantinha um bom bigode, e limpo. "Sorriso branco" incluía até 90% dos dentes da frente, e eram só menos amarelados.
Mas lá estava, uma moça de seus vinte e poucos anos, vestido discreto, cabelos levemente ruivos, sardas no rosto, usando uma 6873.
Incrivelmente, consegui me aproximar dela. Surpreendi quando falei da máquina, e não de algum aspecto físico da moça. E notei que ela não parava de digitar para conversar. Meu pai e o gerente conversaram por dois minutos, e quando percebi estávamos de saída. A secretária se despediu de mim, apertou minha mão e conseguiu colocar lá dentro um papel com sete dígitos e um nome.
Foi assim que conheci Sônia.
Voltei com meu pai para o escritório, ainda pensando no papel que ela me deu. Seria possível que aquilo fosse um telefone? O dela? Mas porque? Minha mente, sem entender o que aconteceu, divagava, e nisso me vi pensando em digitar que nem ela, enquanto conversava e olhava para os lados, sem notar o que minhas mãos faziam.
Andávamos pela Rio Branco, e os ônibus passavam pasmacentos, mas eficazes. Fiquei muito tempo imaginando se cruzei sem saber com Nelson Rodrigues, ali nos arredores da Rua da Ajuda. No sinal, comentei com meu pai que não entendia como as cores mudavam.
– É por tempo, meu querido. A luz verde fica uns tantos segundos acesa, aí se apaga para dar lugar à luz vermelha, que nos deixa passar.
– Sim, pai, mas como funciona naqueles filmes de lá de fora, que ainda tem um sinal para os pedestres?
Meu pai pensou um pouco. De fato, nossos semáforos daquele tempo eram algo de pitoresco: um quadrado listrado de branco e preto, com uma luzinha verde-amarelada e outra vermelho-alaranjada. A tinta dos vidros do semáforo não eram tão uniformes como passariam a ser depois. Ainda tinham uma espécie de quepe, um protetor para não pegar chuva e as pessoas poderem ver de fato qual estava acesa.
Tinha um funcionário da prefeitura que era responsável por passar um pano e limpar a poeira preta do monóxido de carbono que se acumulava no vidro, duas vezes por mês. O mesmo que se responsabilizava por limpar os azulejos das paredes dos túneis.
– Não sei, filho, mas acho que o interruptor de tempo que tem perto das luzes do semáforo devem ficar no poste, aí elas passam energia para o vermelho de parar os carros, enquanto coloca o verde para os pedestres andarem.
Olhei de novo para o nosso sinal. Não tinha postes presos à ele. Eram fios que vinham da rua. O mecanismo todo tinha que estar dentro daquela caixa listrada, lá no alto.
– Mas então aqui temos uma obra de engenharia, com aquela caixa pendurada lá no alto segurando luzes, relógio, temporizador, tudo junto!
– Isso mesmo, filho! Um engenho à vista de todos, e invisível para a maioria.
Parecia que ele estava orgulhoso de mim.
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