segunda-feira, maio 29, 2017

Mulan, o curta

Uma vez a gente ficou imaginando que desenho da Disney nos representava. Eu disse que ela com certeza era a Bela, porque adorava ler, adorava comer, não dava a mínima pra malandro pagando de valente e quando o namorado chegou fera, saiu príncipe (imagina se eu tava me incluindo, né).
Ela ficou chateada de verdade. Mas não quis dizer porquê.
O pisciano aqui captou a mensagem e perguntou se, por acaso, ela se via mais como Mulan. Claro que se via. Mas eu expliquei que, se ela fosse Mulan, o desenho seria um curta de 20 segundos:
"O Huno mata o guarda do muro. Chega satisfeito lá em cima. Denise olha pra ele com 'aquela' cara.
O Huno arria os ombros, desanima visivelmente. Pra pontuar, Denise manda: 'desce'.
E o Huno desce, chateado e resmungando 'pô, Denise, sacanagem'.
Sobem créditos."

Só pra dar uma idéia, ela tinha um amigo, ex-fuzileiro, louco, com alto limiar de dor no corpo (treinava socando chapisco de muro). O cara adorava porrada. Arrumava briga na rua e pegava três ao mesmo tempo, rindo. Rindo.
Uma vez, numa viagem pra Brasília, eu vi ele tirar um dente com a mão. Esperou calmamente o sangue estancar, por sugestão minha guardou o dente, e esperou voltar ao Rio pra cuidar disso, cinco dias depois.
Pois é, esse cara, 1,90, forte pra cacete, se dobrava pela metade quando a Denise encarava ele. Chegava a passar mal de vergonha dela olhando. Não, eu não sou exagerado como parece às vezes.

segunda-feira, maio 08, 2017

Setorizando os ódios

Segundo a minha timeline, isso é um desperdício de poder público, dar atenção a esses cachaceiros que ficam sentados em cima de jazidas bilionárias.
Reitero, segundo Jair Bolsonaro, reitero ainda, aplaudido e gargalhado carinhosamente durante sua palestra no Hebraica, continuo reiterando, essas reservas que eles querem demarcadas serão eliminadas – TODAS ELIMINADAS – quando ele assumir a Presidência.
O povo que não cansa de nos lembrar, e digo, justamente, que QUASE sofreu um genocídio, estava aos cachos no Hebraica aplaudindo o homem que quer concluir o genocídio brasileiro.
E, como não podia deixar de ser, na minha postagem anterior já tinha abiguinho lembrando que índio não é santo, arranjando um jeitinho de aplaudir o genocídio (não canso de repetir, a palavra é essa mesmo).
Vocês que vão pra terreiro se consultar com Cacique caralho a quatro incorporado, deviam marcar consulta com os caciques enquanto estão no plano terreno. Já tem muito conselho que eles podem te dar, ANTES do genocídio.
Vocês que ficam até as raias da chatice debatendo novas razões pra alargar o abismo sexual entre o masculino e o feminino, buscando ganhar público pelo aporrinhamento geral, deviam tentar trocar um pouco o discurso de "ninguém me dá uma chance de ficar milionário(a)" por uma pequena parte do discurso indígena.
Vocês que saem empunhando Bíblias contra o atendimento justo, público e gratuito ao aborto, já que toda "vida" é sagrada, deveriam fortalecer esse discurso se pondo na frente de cada indígena ameaçado pela Força Nacional enquanto tenta marcar uma audiência com o Monarca da Loucura Nacional.
Vocês que aplaudem cada peido de mortadela que o MST solta, devia cercar a Bancada Ruralista, a Bancada da Bala, a Bancada Evangélica pra que esses indígenas tenham alguma chance de dignidade.
Onde estão os pastores enfurecidos? Onde estão os evangélicos salivando pela boca diante desta situação Idade das Trevas? Onde estão os malhadões bombados que precisam surrar cada viado que tem no mundo porque eles se beijam, já que "não é natural", "não tá na Bíblia", "tá na Bíblia e mexe demais comigo"? Cadê a galerinha que gasta uma Itaipu de energia pra debater o sovaco da Mulher Maravilha?
 
https://theintercept.com/2017/05/05/indios-fecham-transamazonica-e-conquistam-vitoria-com-apoio-de-caminhoneiros/

sábado, abril 08, 2017

Carta aberta - Mea Culpa

Venho por meio desta comunicar a quem interessar possa (quase ninguém, mas ainda assim) que estou assumindo ter sido uma pessoa preconceituosa.
Baseado em pouquíssimas conversas com dois amigos, alguns filmes e outras referências (principalmente Mel Brooks), acreditei que meu entendimento do povo judeu se aproximava da realidade. Acreditei que se tratava de um povo que, após um duro aprendizado de mais de cinco mil anos, com uma impressionante tradição oral e escrita, ao redor de todo o planeta, tenha aprendido e repassado aos seus descendentes uma valorização da paz, justiça e igualdade.
Acreditei que, no seio de uma família judia, corriam valores como o estudo da história, a tradição, o conhecimento e a retórica necessária para jamais, em lugar algum do planeta, o Povo Escolhido apoiar por acidente medidas facínoras e desprovidas de embasamento, em troca de uma solução mágica dos complexos problemas sociais.
Eu estava errado.
Eu estava completamente errado.
E eu sinto muito.
Bolsonaro palestrou dentro da Hebraica para trezentos ouvintes, aqui no Rio de Janeiro, e foi aplaudido. Apoiou o fim das ONGs, das reservas indígenas, dos quilombos, e foi aplaudido. Apoiou a exploração de alegadas riquezas por todo o território nacional e foi aplaudido de novo. Fez piadas racistas, desumanizou quilombolas, e um comentário desses, tão perto de "judeu não é gente" numa Alemanha de sessenta anos atrás, provocou gargalhadas da platéia.
Descendentes de um povo que era exterminado, massacrado, mutilado e tratado como menos que gado, divertiu-se ouvindo "o afrodescendente mais leve pesava sete arrobas, não servia nem pra reproduzir mais", em duas claras referências a gado na mesma frase.
E pensar que minha desinformada admiração me fez passar meses de figuração na Record pedindo pra fazer hebreu.
Desculpem-me, por favor. Eu estava sendo preconceituoso, e é um erro que não pretendo cometer novamente.

quarta-feira, abril 05, 2017

Julgamento e opinião

Eu tenho comigo a necessidade de manifestar minha opinião. Dar aos meus amigos e conhecidos uma direção de como funciona minha moralidade e meus costumes.
Fora o que andaram dizendo da expressão, acredito que é assim que uma pessoa factualmente de bem atua: ele se manifesta contra o que está errado, ele aplaude o correto, e no meio do caminho, trabalha.
Cabe, junto com minha opinião, explicar: afinal, no dia que eu justificar um argumento meu com "meu amiguinho imaginário é melhor que o seu", por exemplo, os meus amigos e colegas saberão que eu não estou bem, e podem tomar suas devidas precauções a meu respeito.
Isso não quer dizer que me tornei juiz da atitude dos outros. Nestes casos, me manifesto apenas pelo exemplo social que eles contém. Vejamos alguns exemplos:
  • Cissa Guimarães

Em primeiro lugar, não desejo a dor de perder um filho a mãe alguma neste mundo. É triste, muito triste mesmo, e não estou fazendo pouco disto.Isto posto, todo o resto do caso em que morreu o filho dela é um afronta. Como a informação é muito complexa e aninhada, eu prefiro aqui citar como os jornalistas profissionais relatam:

  • Rafael Mascarenhas foi atropelado em julho de 2010, no Túnel Acústico, no bairro da Gávea, na Zona Sul do Rio de Janeiro, enquanto andava de skate com amigos. A via - que hoje possui o nome do filho de Cissa Guimarães - estava fechada ao trânsito, mas foi invadida por motoristas que praticavam corridas ilegais, conhecidas como "pegas" ou "rachas". No grupo, estava Rafael Bussamra, que conduzia o carro que acertou o filho de Cissa Guimarães.
    O laudo do carro de Rafael Bussamra mostra que o veículo estava a cerca de 100 km/h no momento do acidente, quando a velocidade máxima permitida no túnel é de 70 km/h. Segundo a perícia, Rafael Mascerenhas foi arremessado a 50 metros do local do atropelamento.
    Dois policiais militares, Marcelo de Souza Bigon e Marcelo José Leal Martins, cobraram R$ 10 mil de Rafael Bussamra para liberá-lo após constatarem o carro com avarias. O rapaz chamou, então, o pai, Roberto Bussamra, que negociou com os PMs. Por causa do ocorrido, os agentes responderam a um Inquérito Policial Militar e foram expulsos da corporação em 2010.
    Esta informação foi tirada de uma manchete do site EGO
    O aninhamento ao qual me referi é o seguinte: R. Mascarenhas não devia estar num túnel fechado para reformas, mas estava; R. Bussamra também não, mas estava, e ainda praticando pega; os policiais que viram o carro após o atropelamento deviam prestar diligência, mas não prestaram; Bussamra pai devia deixar o filho ir preso, mas não deixou.
    Até aqui, a cadeia de eventos torna todos os envolvidos em péssimos exemplos para a nossa sociedade. Fica pior ainda ao sabermos que ninguém foi preso, e nem mesmo será, mas isso já esperamos da nossa justiça.
    Além de todos esses erros, o que mais me incomoda é a Cissa Guimarães.
    Como eu tenho notado recentemente, as pessoas perdem a memória muito rápido, então permita que eu me repita: não desejo a dor de mãe que ela está sentindo a nenhuma mãe do mundo.
    Causa-me profundo incômodo que ela tenha ganho tanto espaço na mídia para a dor dela. Que tenha ganho tantos minutos em tantos dias para cobrir um caso que está encerrado desde o primeiro dia. E digo isto, porque vejo várias vezes as pessoas com um sorriso cínico quando uma outra mãe, desconhecida, de nível econômico ou social diferente, tenta em cinco segundos pedir que investiguem o que fizeram com o filho dela. Porque, claro, aquele filho é automaticamente um bandido.
    É uma injustiça, uma desigualdade desnecessária, dar todo o tempo do mundo para a dor da Cissa e calar toda uma camada social que nem pode enterrar o próprio filho. A sua vontade de ir lá e destruir tudo, matar cada um porque se for da favela tem que ser bandido, não é tratar com igualdade as pessoas. Isso só planta ressentimento, e ninguém fica com a razão.
    • José Mayer

      Muito fácil de resumir: ele assediou uma maquiadora, colega de trabalho. Ela botou a boca no trombone. A coisa ficou difícil de abafar e ele assumiu o próprio erro.
      Viu? Muito simples. Acho que ele deve ser julgado e pagar pelo que fez. Ao assumir o ato de assédio, ele abriu a possibilidade de que isto aconteça.
      A única coisa que me incomoda nessa história é a hashtag: #JoséMayerVelhoNojento. Qual a razão das pessoas em combater um preconceito com outro? Acrescenta em quê chamar o assediador de "velho"?

    Entendam, estou aqui apenas analisando situações de relevo social. Não cabe a mim julgar o sr. José Mayer, a sra. Cissa Guimarães, ou quem quer que seja. Mas me cabe, sim, emitir opinião sobre estes eventos, sabendo que tornar-se-ão precedente para outros, sabendo que pesarão no entendimento dos valores sociais como um todo.
    Há algo de errado com uma sociedade movida a gestos furiosos e bordões. Cabe a pessoas que se considerem capazes de colaborar, dar seu entendimento. E aqui estou, tentando colaborar.
  • segunda-feira, março 27, 2017

    Deus me mandou escrever isso aqui.

    Eu fico, sabe, pensando: "Qual o propósito da pessoa vir aqui numa rede social ficar gritando as coisas pro Deus dela?"
    Se Ele fosse tão fodão assim, NINGUÉM ia ficar falando. Você já viu alguém ganhar na MegaSena e vir pro Facebook "A MEGASENA ME ILUMINOU O DIA, MINHA VIDA, JOGA NA MEGASENA VOCÊ TAMBÉM!!!"
    Agora, engraçado, o cara pisa num cocô de cachorro na rua passa a semana falando disso. O cara é assaltado passa o mês falando disso. A gente só divide merda, amigo.
    Deus bacana mesmo é aquele tal de Yaveh, tu já viu algum judeu ficar no Facebook falando de Yavéh? Te mandando ler a Torá deles? Mano, se tu QUISER virar judeu eles não deixam assim moleza não!
    Aí vem esse povo, com uma baita cara de condescendência... Aqui no Facebook, na condução, na praça, na igrejinha nova sem isolamento acústico, na porta dos hospitais... Eles vêm como se acabassem de ganhar uma promoção, um salário de cinco dígitos na conta, te olham de cima a baixo como se você tivesse tomado banho na vala da Mimosa.
    Um fodido tentando se achar melhor que o outro fodido porque conseguiu ler três páginas de um livro. Isso porque o pastor berrou o texto.



    A famosa síndrome de Augusto Cury:
    A pessoa acredita que tudo na vida se resolve com otimismo.
    Que invés de você reclamar, deveria "se mexer" pra mudar as coisas.
    Que a vida só é ruim pra quem não sabe viver (rysos).
    Que uma pessoa só fica na merda se ela mesma permitir isso (mais rysos).
    Já tomou sua xícara de autoajuda hoje?



    Ainda tem minha cunhada, que atribui praticamente tudo a como você deve ter se comportado numa vida passada. Eu honestamente acho que é uma maneira muito indireta de chamar a pessoa de cretina vagabunda imprestável mas de maneira indireta, "numa outra vida".

    domingo, junho 12, 2016

    E uma porção de Entropia, por favor.

    Ontem eu vi dois amigos meus, na mesma batalha que eu estou na busca pelo reconhecimento e quem sabe uma remota possibilidade de nos apresentarmos. Acho que vou montar uma palavra pra falar disso. Mas enfim, vi dois amigos e colegas na luta junto comigo, se darem bem. Pai e filho.
    Fico feliz, quando isso acontece. Além de ver bem os amigos, pensando pragmaticamente, são menos pessoas na minha frente numa suposta fila que só existe na minha imaginação.
    O garoto tava falando comigo que foi chamado pra festa de um dono de programa e, por si mesmo, não iria. Eu sei da história porque quem quase matou ele de falar pra ir fui eu. Ele foi, e muito bem-vindo por quem convidou, mas percebeu reações ao redor dele.
    Naturalmente, ele estava incomodando. Toda estrutura artística, por paradoxal que seja, tende a se enrijecer ao redor de um talento. Se chama "não matar a galinha dos ovos de ouro". Deveria ser justamente a estrutura mais flexível do mundo, mas genialidade artística junto com liderança não dá em árvore, e quando isso vem embalado num lindo berço de ouro...
    Quem acha essa fonte não quer que ela se esgote, certo?
    Pois é. Então, meu amigo, sendo um agente de mudança em potencial de conseguir a chance de se apresentar, é a ameaça mais letal a esse modo de vida.
    Na mesma hora, expliquei o óbvio: quem tem chance, incomoda. Porque todo mundo se sente ameaçado por um talento. Veja o caso do Uber.
    Óbvio, haha, eu disse, haha, pra quem está de fora. Pro cara que aguentou aqueles olhares psicóticos uma noite toda, não é assim. Parece um pesadelo. É horrível. Pense em todos os caras malas que adoram berrar argumentos e não ouvir nenhum. Flamenguistas, ecochatos, feminazis, bolsomitos... todos. Todos eles. A única coisa que faz eles pararem de se engolir entre si, e traçarem um objetivo comum, é a presença de um talento.
    Eu levei décadas pra aprender isso. Vi os que se apresentam de frente, e os que atuam por baixo dos panos, com sorrisinhos simpáticos. Vi as bem-intencionadas, que sempre acharam melhor eu "mudar isso aí" porque não dá dinheiro ter uma vocação. Melhor passar num concurso. Se proteger. Vi e perdi amigos que saíram correndo pro mais longe que puderam, quando sentiram que o mundo encara de volta. Que nunca entenderão que ficar de pé, sem recuar, é minha última chance de provar quem eu sou.
    Vi muito mais que isso, e aprendi duas coisas:
    1. O mundo não, não formou um clubinho pra te destruir.
      A coisa funciona num nível mais biológico do que consciente. Tipo uma manada que corre porque alguém no meio correu.
    2. O tempo é curto. Aprenda o que puder com os outros. Não se amargure. Corra.
      Não temos, na verdade, o tempo necessário pra nos apresentarmos e explicar que também temos nosso lugar ao sol, que pode ser melhor pra mais gente se nos deixarem em paz...
    Esses dois entendimentos significam que,

    Atropele antes que seja atropelado.

    ------ oOo ------
    Vim pra casa, gripadão porque eu somatizo mesmo, dormi assim que pude e sonhei. Um dos poucos sonhos que me lembro.
    Tava eu e esses dois caras, e mais o outro da minha turminha de vanguarda, sendo conduzido pelos corredores daquele intestino de concreto imenso, da maneira habitual que os figurantes são conduzidos: aos berros, ordens e contraordens, como eu já vi várias vezes ser feito em alemão nos filmes da Segunda Guerra.
    Como acontece muito nos sonhos (e nos games mais incríveis), rola uma desconstrução num dado momento, em que a esquerda e a direita parecem ser a mesma coisa, e começamos a descer onde lá, na realidade, sabemos não haverem escadas pra baixo.
    Fomos largados numa sala, ao mesmo tempo lotada e vazia, mas com uma coisa permanente no meio, que também permanentemente sumia, iluminada e escura, com janela e parecendo um cubículo, tudo ao mesmo tempo. É como se o que mudasse fosse a minha percepção sob as condições ao redor, enquanto a sala era simplesmente, todas as possibilidades de sala.
    Esse mesmo garoto da conversa acima, vira-se pra mim magoado e diz: porque nos largaram aqui?
    Ao que um cara de muitas caras, mas com o mesmo crachá explica, diretamente pra mim (mas sem nenhuma coerência com a pergunta dele):
    – Esse objeto no meio da sala é a lona de proteção. Nenhum ator permite-se, ou à sua família, sequer olhar pra isso. Ela fica abaixo de onde a gente vive (e nesse caso tive certeza que não eram andares)
    Num lampejo eu entendi; seguro o ombro dos dois e explico, "nos deixaram diante da Entropia do Universo. Onde o Nada mora. A Borda Enlouquecedora da Realidade."
    (É, dá Castañeda e Lovecraft pro pisciano ler, dá...)
    Os dois viraram-se pra mim (e de alguma forma o outro vanguardinha também), amuados. Dava pra ver que no rosto deles o desapontamento tomava conta. "O que faremos? Nos largaram de lado. Nos abandonaram".
    Eu ri, e disse, "voltem com a melhor piada da Realidade". Eles contemplaram a Entropia mais um pouco, a Lona de Proteção, e viraram-se para a porta atrás de mim. Não precisavam mais ser guiados.
    – Você não vem, alguém atrás de mim perguntou. Eu encarava fixamente o objeto enrolado no meio da sala, que mudava de contorno, de cor, tamanho, intenção, peso, existência...
    – Não. Tenho que conversar com um velho amigo.





















    segunda-feira, dezembro 14, 2015

    Saldão de final de ano trabalhado 2015

    Eu tenho a satisfação de trabalhar com gente correta na figuração. Cofibra, Natália, Lua Cheia, Karmaya, Pool, Phoenix são empresas nas quais me cadastrei e não me lembro de ter me aborrecido com eles. Exceto, claro, na hora que insistem em pedir uma "foto impressa" em pleno 2015.
    Tem outras agências, de um patamar mais elaborado. Elas trabalham com figuração também, mas principalmente elenco para filmes e comerciais. Ainda não tive a satisfação de realizar nenhum trabalho com agências desse naipe, exceto Giselle Favoreto, ainda que com ela tenha feito apenas uma figuração, já tivemos diversas oportunidades de conversar sobre trabalho, participar de testes e quetais. É uma profissional de se bater palmas. Categoria de trabalho apenas, não. É uma pessoa boa de se lidar.
    Sim, pessoal, eu sou ator. Além disso, voltei recentemente a programar meu tiquinho de conhecimento para recriar meu próprio site, quem sabe voltar a vender meus serviços caso haja interesses. E não tenho vergonha nenhuma de ser figurante enquanto espero minha chance. Não tenho padrinho ou madrinha, se não ficar metendo a cara no meio, vou morrer de fome em casa. Não consigo me imaginar cavando uma oportunidade sendo vendedor de loja. Tem que ser pela figuração, e não vejo problema nisso.
    Aliás, meus agradecimentos aos vários amigos que fiz por lá. Gente que nem eu, que não descende de nenhuma linhagem artística e procura com muita fé, não necessariamente na Globo, mas nas diversas oportunidades que a comunicação boca a boca nos fornece. Haha, se eu tentasse sobreviver assim na dublagem estava ferrado. Lá não basta ser apadrinhado, tem que ter laço sanguíneo. Mas é assim mesmo, eles tem tão pouquinho trabalho, tadinhos.

    Agora gente, eu quero avisar que estou me controlando, com muita paciência, para não começar a correr atrás dos picaretas do ramo. Não é uma ameaça. É que por enquanto, denunciar parasitas, correr com polícia, Secretaria da Fazenda, Receita Federal, desmanchar quadrilhinha que se aproveita da ingenuidade dos outros dá muito trabalho e não é serviço remunerado.
    Então por equanto, eu informo que estou ignorando perfil falso, empresa de mentirinha, e essas sacanagens de cobrar R$ 30,00 por ANO pra "aceitar" um cadastro. Estou ignorando gente que trabalha mal, não sabe se comunicar. Estou ignorando o que a pesquisa de sites no Registro.Br, ferramenta WhoIs, me fala sobre os sites de vocês. Estou ignorando o resultado do backtracing de email, provando que um mesmo computador tem mais de dez contas de email.

    A minha esposa é a única pessoa do mundo que eu conheço que diz ser feliz e ter razão ao mesmo tempo. Eu, e todo o resto das pessoas que eu conheço, tem que escolher. Por enquanto, estou escolhendo ser feliz, tenho tanta coisa boa na vida pra aproveitar...
    Se um dia desses eu perder a paciência, e resolver estar certo, saibam que vocês pediram. Vocês, que acham que empreendedorismo é uma dieta nova. Que elencam a própria esposa em 60 figurações por mês. Que mandam a mesma redação de email picareta de dois serviços diferentes. Que não contratam contador na empresa.
    Pra vocês, feliz ano novo, lindinhos. Vamos ver quantos.

    quarta-feira, setembro 23, 2015

    Portal

    Eu passei a vida inteira sendo o guardião entre dois mundos. Os mundos mudaram com o tempo, mas eu mudei também.
    Por algum tempo, eu fiz figuração e era apenas um figurante. Ok. Tô lá pra aprender. Tô lá pra somar meu nadica de nadinha, que seja às vezes nem ser filmado numa cena.
    Mas uma coisa que aprendemos sobre nós é quando os outros são obrigados a dar uma opinião, qualquer que seja, sobre a gente. E eu rapidamente aprendi, quando um fiscal, maquiador, figurinista tem que perguntar "o que você vai ser hoje?", que na formulação de estúdio é ainda mais bacana, "o que você é?", que eu tenho que fazer uma pausa lenta e hesitante para responder. Ganho uma opinião na hora.
    Não que eu não tenha reparado antes, claro, mas é engraçado desenvolver um método para ver que as pessoas levam mesmo tempo pra dar o chute delas. Porque na verdade eu não pareço ser, exatamente, nada.
    O que é ótimo, eu sou um ator. Elas precisam ler meus maneirismos para ter ajuda.
    Lembrei que eu já saí andando pela rua vestido de mago, e com meu gestual, um mendigo pediu bênção que de mago pra padre é mesmo um pulo. Já balbuciei em alemão e fui tratado como um automaticamente. Advogado que deu consultoria a sério num elevador. Já vendi foto fantasia apenas com mímica. Já fiz amigo meu ver coisa na escuridão que não estava lá, só pela minha narrativa.
    Mas ultimamente uma coisa nova aconteceu. Com toda a gama de reações, boas e ruins, as pessoas ultimamente tem reparado outra coisa em mim.
    Eu estou começando a parecer alguma coisa. Eu estou começando a me parecer comigo mesmo.
    Parece que meu peito tá parindo uma estrela. Devagarzinho. E todo mundo consegue ver.
    Longe de mim pensar, agora, se é isso aí mesmo, se eu vou chegar ao ponto de início da minha verdadeira jornada. Claro, né, que eu seja uma estrela, sonho com isso, quero muito e tô trabalhando que nem uma puta pra isso acontecer.
    Mas tô bem feliz de perceber que agora eu sou dois mundos.

    sexta-feira, julho 24, 2015

    Doçura

    Contra todas as expectativas, uma grande família se reunia na casa deles. Filhos não tiveram, mas o carinho agregou alguns parentes e aparentados ao longo do caminho, e uma inusitada fortuna atraiu outros ao longo do caminho. Dormiam na cama de casal, meio da noite que era, ela ainda pondo a mão sobre o coração dele. O mundo lá fora, girava.
    Mas subitamente, ele abria os olhos, e uma lágrima brotou e escorreu. Não queria olhar para trás. Não queria interromper seu calor de aquecer o corpo dela. Depois de cinquenta anos, o primeiro mosquito picava a maçã de seu rosto.
    E ele já sabia. Estava sozinho naquela cama, pela primeira vez.

    domingo, janeiro 04, 2015

    Atendimento Xamã - rescisão do cargo

    Eu sempre quis, desde que entendi o que era, ser xamã. Curar as pessoas, vê-las crescendo, ajudar no delicado tropegar a humanidade a se tornar melhor do que é.
    É engraçado eu falando nisso, porque quem me conhece sabe muito bem que sou uma pessoa carente, chego inclusive a ser chato. Tenho crises de ansiedade cada vez maiores. Tenho os meus problemas e meus diálogos internos viram, muitas vezes, brigas louquérrimas. Mas até onde eu sei, a maioria dos psicólogos também tem essas dificuldades, e por causa delas, são melhores no que fazem. O pior psicólogo que conheci tinha consultório em Ipanema, e problema interno nenhum. Julgava os seus pacientes e a família deles. Dirigia as consultas como o Shermann dirige o Zorra Total e isso não é cura. Nada contra o cara da Globo não, mas ele não está lá pra curar porra nenhuma, certo? Meu ponto é esse.

    Outra coisa interessante, tem algumas profissões que são, abnegadamente, servis. Você pode imaginar um cabeleireiro bem de vida, mas não a tal ponto que tenha um palácio. Um diretor de tv que tenha menos que um carro e um imóvel na Zona Sul do Rio, ou seu equivalente em outros estados, não faz sentido. São conceitos que a nossa sociedade nos oferece. Danili Gentilli, de quem não tenho tanta simpatia assim, outro dia desses lascou uma verdade na cara dos outros. Ele já deve ter repetido isso várias vezes, mas eu digo de novo porque a gente ouve mas não escuta. Faz a piada de loura, tudo bem porque loura não é raça nem credo, é uma cor de cabelo. Podemos rir da piada. Outra piada que ele faz, compara um negro a um macaco. Ri quem quer, paga o ingresso pro show dele quem quer, endossa a piada dele quem quer. Se ninguém achasse graça, ele ia procurar outra coisa pra fazer piada, mas ele disse uma coisa interessante. A defesa dele foi que, não sendo político, não sendo jornalista, não sendo filósofo, sociólogo, ele fala a merda que ele quiser, porque ele é comediante.
    Gente, é verdade. Quem vai segurar o cara é a bilheteria. Eu não preciso me unir a nada pra acabar com ele. Se ele decidiu ser comediante, é premissa do trabalho dele fazer piadas das quais o público ria, ou então ele morre de fome. Assim como a premissa do padeiro é fazer um pão minimamente comível, senão a outra padaria acaba com ele.
    Parece que eu mudei de assunto? Não. É que daqui a pouco vou completar quarenta verões, e realizei muitas coisas importantes pra mim na minha vida, mas não cheguei ainda no meu potencial de servir a sociedade. E não sei se quero, ainda, servir como xamã. Acho que não. Acho que eu comecei a ver tudo com olhos de velho, no sentido de pessoa cansada da vida.
    Meio cedo, eu sei, de repente é uma fase. Tomara. Mas veja, eu vi a Dercy Gonçalves ser ela mesma. Vi Rita Lee, Renato Russo, Cazuza, Clodovil, Zé do Caixão, Hebe Camargo, Washington Olivetto, Sérgio Porto, Brizola que fosse. Para cada nome que eu cito, dez ou cem me fogem à memória. E por alguma razão, desde que eu escutei do REM a música It's the end of the world, eu comecei a ter esse sentimento mesmo: as coisas pararam de me ofender diretamente e passaram a me parecer alheias. Como se meu mundo, o que eu me preparei pra viver, tivesse simplesmente acabado, e eu fosse uma visita no mundo dos outros.
    Vai daí, portanto, que não me sinto muito mais à vontade para o papel de xamã. Não tenho um molde para oferecer, uma linha para ajudar a manter. Antigamente eu prestava atenção nos carros com farol desnecessariamente aceso, e avisava aos motoristas, pra poder economizar um tiquinho de bateria do consumo geral, e com isso ajudar um nadinha o meio ambiente. Hoje, sinceramente, fico tentando imaginar pra que lado o mautorista vai virar, porque ninguém sabe o que é usar uma seta.
    Então, aquele abraço, obrigado e desculpe, parei de me sentir capaz de ajudar. Pelo menos vou me retirar, honestamente, deste patamar da minha vida.

    quinta-feira, dezembro 04, 2014

    Reconsiderações

    Passei mais ou menos os últimos três anos em grande ansiedade. Engordei, dormi mal, estraguei um joelho, tudo no medo de um porvir que, sinceramente, não tinha idéia do que seria. Ter essa pequena clarividência que eu tenho, assim como meu pai também tinha, é mais um problema do que uma solução. Eu choro términos de namoro e falecimentos meses, às vezes anos antes deles ocorrerem. Comemoro vitórias e presentes antes mesmo de existirem. E na hora em que a premonição vira presente, eu estou lá, de pé, para o que der e vier.
    Chorei minha Oma aos dez, carreguei a alça do seu caixão aos treze. Chorei meu pai aos vinte e um, fui carregar seu caixão em Botafogo depois dos trinta, todos os amigos me encarando como se eu não tivesse direito de estar ali. Também não me pegou de surpresa, esse desacato, às vezes parece que eu sou enganado só porque dou mole.
    Vi a partida da minha outra avó, a abusiva, enquanto encarava ela. Vi, e com outros dons que temos na família, mostrei o horror da partida. Ela viu, entrou em negação e só foi se lembrar daquilo no seu agonizante leito de morte. Falou meu nome um ano seguido, enquanto dores maiores que a morfina tomavam conta dela.
    Eu não ligo se você vai achar esta postagem algo de fantástica. A vida, pela sua mais humilde biologia, já é uma miríade de deslumbramentos e contradições. Eu não preciso inventar que conheço um certo grau de telepatia, clarividência e alguma projeção astral. Muitas vezes, se eu jogar tarô pra você, vai valer a pena me ouvir. E tem dias, afinal, que nada disso dá certo. Fazer o quê?
    Tem um tipo de verme que, ao morrer, emite uma luz azulada. Tem um outro bicho que é imortal, só fica renascendo. E tem um tipo especial de animal que acha que pode viver por meio de livros.
    Acho que existe um mundo além desse vivenciado pelas leis da física. Não sei como ele funciona, mas sei que funciona. Pude sentir um plano delineado ao meu redor em várias escalas, em diversos momentos, por toda minha vida até aqui. Vi coisas acontecerem comigo e com outras pessoas que só acreditando num plano para que acontecessem desta ou daquela maneira.
    Isso quer dizer que eu sou determinista? Não. Só pra começar, mesmo quando a gente vê uma situação, nunca sabemos em que estado de espírito entraremos naquele momento, com aquele acontecimento rolando. Só tenta se colocar na pele do herói de H.G. Wells, em A Máquina do Tempo: incapaz de consertar o passado, ele se condena a assistir inúmeras variações da morte da noiva, impreterivelmente no mesmo horário. No entanto, conforme suas tentativas vão fracassando, ele vai conseguindo, aos poucos, se distanciar da dor de perdê-la para poder finalmente seguir adiante em sua jornada. Ali naquela história, a morte estava determinada, não sabemos se por ter virado passado ou pela determinística; mas o herói, este muda a sua própria ótica para seguir adiante. Para ultrapassar aquele bloco emocional. E então, o restante da história pode acontecer.
    Tudo isso só pra te dizer, de novo: você escolhe como vai entrar nos momentos. E isso muda tudo.
    Mas voltando ao que estava tentando dizer no começo, a premonição que eu tive era: "Você vai perder tudo que hoje está ao seu redor". Há cerca de três anos.
    Cara isso é terrível de se absorver. Mas tem exatamente o mesmo sentimento e efeito que tirar a carta da Morte num jogo de tarô: simplesmente não é nada do que você está pensando.
    De fato, tudo que eu tinha ao redor acabou. Endereço, telefone, trabalho, relacionamentos. Tudo.
    Hoje eu sou acordado com carinho, e pela mulher mais maravilhosa que eu conheci em toda a minha vida. E não é por me namorar, não. Acho que ela até tá se enrolando comigo. Ela é espetacular por ela mesma. E eu estou começando, finalmente, a sacar quem eu sou. Porque eu simplesmente não vivo mais no terror dos outros. Eu vivo nos meus terrores, e vivo cada um de peito aberto, pra rir um pouco, pra chorar um pouco, e quem sabe, às vezes até mesmo me apavorar. Por mim mesmo.

    Mulan, o curta

    Uma vez a gente ficou imaginando que desenho da Disney nos representava. Eu disse que ela com certeza era a Bela, porque adorava ler, ad...